Título: Empresas já são cobradas sobre responsabilidade pós-consumo
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2005, Economia, p. B18

O agravamento do problema do lixo nos centros urbanos e a demora na definição da Política Nacional de Resíduos Sólidos trazem à tona a questão da responsabilidade pós-consumo. Até que ponto a iniciativa privada é responsável pelo resíduo que produz e sua destinação correta? Diante da ineficiência dos municípios em gerenciar o problema, as empresas têm sido cobradas para assumir parte da questão. No Brasil, a responsabilidade pós-consumo existe, regulamentada por lei, sobre os fabricantes de pilhas e baterias, pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 257/1999. Pilhas e baterias que contêm na formulação níquel, cádmio, óxido de mercúrio e chumbo-ácido devem ser recolhidas nos pontos-de-venda e retornar à indústria.

O setor privado tem participado da formulação da Política Nacional, que, no entanto, não avança. A previsão mais otimista é que ainda este ano seja lançada uma proposta básica de texto, no âmbito do Conama.

Hoje, a face mais conhecida da atuação das empresas é o fomento a programas de coleta seletiva e formação de cooperativas de catadores. O gerenciamento dos resíduos produzidos dentro das empresas também ganha força. Para André Vilhena, diretor-executivo do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), organização que ensina práticas de reciclagem ao empresariado, não existe resistência por parte das companhias em assumir parte da responsabilidade pós-consumo. "O que existe são obstáculos práticos, mas há muitas empresas engajadas, em especial no apoio às iniciativas de reciclagem", diz Vilhena.

EFICIÊNCIA

Um exemplo é o Banco Real ABN Amro, que em 2002 criou um grupo específico, o comitê de ecoeficiência, só para dar um destino correto aos resíduos produzidos nas agências bancárias e prédios administrativos. Hoje são 18 funcionários do banco, de diferentes áreas de atuação, que se encarregam também de cuidar das questões relativas a uso racional de recursos (água, energia elétrica, plástico e papel) e de parcerias para reciclagem. "O comitê passou a difundir práticas como reconfigurar os microcomputadores e impressoras para que consumissem menos toner", explica Vera Sales, coordenadora do grupo de ecoeficiência.

A experiência bem-sucedida com a coleta seletiva levou o banco a adotar o uso de papel reciclado em seu material de divulgação, ainda em 2002. Começou com alguns panfletos e hoje 70% do material é impresso em papel reciclado, inclusive a correspondência aos clientes. Em poucos meses, até os talões de cheques serão em papel reciclado.

Para implantar o uso do reciclado, no início 40% mais caro do que o papel branco, foi necessário um acordo comercial com a fabricante, a Suzano Papel e Celulose. À medida em que o banco incorporava o papel reciclado em seus impressos, a Suzano ganhou escala e os preços caíram. "Hoje, o reciclado tem um custo em torno de 10% superior ao branco. E há mais empresas usando, o que acena para uma redução ainda maior a médio prazo", explica Cesar Righetti, superintendente de compras do Banco Real.

O plástico já foi considerado uma espécie de vilão do meio ambiente por causa do descarte incorreto dos resíduos, que faz com que embalagens bóiem nos cursos d'água e entupam bueiros. Embora a indústria não se responsabilize pela coleta e destino desse material, investe no estímulo à reciclagem e na educação ambiental para reduzir o impacto dos resíduos plásticos. Para isso, formou uma ONG, a Plastivida, que congrega as centrais petroquímicas e os fabricantes de resinas. "O descarte no meio ambiente não é um problema do plástico em si. É uma questão de comportamento da população, que pode ser resolvido a médio prazo", explica Francisco de Assis Esmeraldo, presidente da Plastivida.

Esmeraldo salienta que o País já recicla em torno de 16% a 18% do plástico que consome, porcentual superior ao da União Européia, atualmente na casa dos 12%. "Ainda é incipiente, mas estamos crescendo nessa direção", destaca. No âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a indústria do plástico defende o envolvimento de todos os segmentos da cadeia produtiva, poder público e sociedade.

Mas as bem-intencionadas iniciativas empresariais não levam em consideração a necessidade de se rever os padrões atuais de produção e consumo. É o que sustenta o Instituto Pólis, que tem participado ativamente da formulação de políticas de integração entre cooperativas e serviços públicos.

"A solução está no caminho de produzir o mínimo de resíduos e reciclar o máximo", aponta Elisabeth Grimberg, coordenadora de meio ambiente urbano do Instituto Pólis. "Mas a reciclagem é mais um negócio lucrativo do que responsabilidade pós-consumo propriamente dita."

O peso da cultura das embalagens descartáveis e dos produtos com vida útil curta e alta obsolescência não deve ser desprezado, segundo Elisabeth. "Temos de rever a cultura do descartável em todos os sentidos. Isso passa por uma postura menos consumista e por pressionar a indústria para que produza bens mais duráveis."