Título: Motor da agricultura ameaça ratear
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Economia e Negócios, p. B1

O País deverá perder, em 2005, parte da força do motor da agricultura, responsável por uma boa fatia do crescimento econômico que se alastrou pelo interior do Brasil nos dois últimos anos e gerou investimento, produção e empregos num ritmo mais acelerado do que nas grandes capitais. A safra de grãos, que já começa a ser colhida no Centro-Sul, promete bater mais um recorde de volume, puxada pela produção da soja, que deve dar um salto de 25%: vai sair de 49,2 milhões de toneladas 2004 para 61,5 milhões neste ano. A receita e a rentabilidade total dos grãos, no entanto, vão despencar, arrastadas ladeira abaixo pelos preços em queda das principais commodities agrícolas, diante da maior oferta mundial. E, também, pela elevação dos custos de produção.

Para piorar a situação, a valorização do real em relação ao dólar agravou o efeito dos preços baixos, especialmente da soja, a principal lavoura de exportação. Isso faz com que o agricultor embolse neste ano menos reais pelo grão e o consumo no interior se retraia. Tanto é que várias cidades cuja atividade principal é a agricultura já começaram a sentir a desaceleração do campo.

Entre algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo e outros grãos, a safra de 2005 poderá superar a casa de 130 milhões de toneladas, ante 120 milhões em 2004, segundo cálculos da consultoria MB Associados. A renda estimada com base nos preços de mercado deve atingir R$ 59,7 bilhões ou US$ 21,5 bilhões, com recuo de 16% e de 12%, respectivamente, ante 2004, depois de seis anos consecutivos de alta.

Se a previsão se confirmar, a receita deste ano em reais será a menor desde 2002, observa o economista da MB Associados, Glauco Carvalho. Em dólar, a renda volta ao nível de 2003. "Saímos de um céu de brigadeiro para uma situação extremamente desfavorável."

Essa avaliação é compartilhada pelo presidente da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudeste de Goiás (Comigo), Antonio Chavaglia, Estado que responde por 13% da produção de soja. Ele conta que os governadores do Centro-Oeste articulam encontro com os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Agricultura, Roberto Rodrigues, para propor medidas de apoio à venda da safra.

Pela primeira vez neste ano, diz Chavaglia, os agricultores não contaram com os recursos da indústria, que até 2004 comprava cerca de 30% da produção antecipadamente. Como houve agricultores que romperam os contratos de "soja verde" na safra passada, quando o preço do grão explodiu, a indústria não quis arriscar.

Para o economista da MSConsult, Fábio Silveira, é ilusório adotar mecanismos de desvalorização do real para elevar a receita do campo. "Se o real for desvalorizado, o efeito será de bumerangue." Num primeiro momento, pode até resultar numa renda maior. Mas, como o País é um dos formadores do preços da soja, a maior oferta derruba as cotações.