Título: Em Carioba, o metro do tecido custa o preço de um carretel
Autor: Agnaldo Brito e Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Economia, p. B5

Das ruínas do bairro histórico de Carioba, em Americana, saem por ano cerca de 20 milhões de metros lineares de tecido, a maior parte produto sintético. Não é muito, 1% da produção do pólo têxtil, o suficiente para manter um grupo de pequenas tecelagens à facção. Esse é o nome das indústrias contratadas pelas grandes apenas para produzir. Operam sem descanso. Recebem o fio, às vezes as máquinas, e agregam a mão-de-obra. Ganham por batida do tear. Por isso, o ritmo acelerado. O tempo, por ali, é precioso. Todas as tecelagens trabalham em três turnos. Produzem sem parar. São a continuação de uma história que iniciou no final do século XIX e, apesar de tudo, ainda resiste. Os "faccionistas", como são chamados os industriais contratados na terceirização da produção de tecidos, são, em geral, tecelões.

Ganham centavos por metro de tecido produzido. O valor varia muito. Pode chegar a R$ 0,40, mas na média não passa de R$ 0,30. Por batida do tear, as indústrias ganham, em média, R$ 0,0022 (vinte e dois milésimos de real). Pode ser mais se o artigo for produzido em teares mais largos. "Não é fácil esse trabalho", reclama Orestes Bragagnoli, 58 anos, proprietário da pequena Mub Têxtil.

Com 40 máquinas e 12 funcionários (distribuídos em três turnos), a empresa consegue produzir 90 mil metros de tecidos por mês. Por enquanto, a tecelagem à facção não sentiu o efeito China. "Não sentimos nada aqui. Quem pode falar isso para o senhor são as grandes tecelagens", diz Bragagnoli.

Anísio do Amaral também é "faccionista". Tem 20 teares e capacidade para produzir 60 mil metros de tecido por mês. Produz tergal usado para forro de roupa. Anda aborrecido. Tomou um calote de uma indústria. Em novembro do ano passado, recebeu fio como nunca. Pôde colocar a fábrica a plena carga. Trabalhou, produziu, entregou, mas não recebeu um centavo. Tem sete funcionários, três sem registro. Com 65 anos, cuida de tudo. Dos contratos, dos pagamentos, da vida da empresa.

É apaixonado pela atividade de tecelão, afinal entrou nela aos 14 anos. O problema é a perspectiva. "Gosto muito da tecelagem, mas os faccionistas não têm muita perspectiva", acredita. Tem os teares, ainda que obsoletos. Mas é o máximo que conseguirá. Investir na produção sem intermediação de outras tecelagens é um risco demasiado elevado. "Já vi quem tentou. Em três anos, faliu", lembra. Ademais, falta capital de giro para financiar a compra do fio e recurso suficiente para suportar ao menos seis meses produzindo por conta.

O melhor mesmo é continuar a ser "faccionista", diz Amaral, e tentar equilibrar os custos para conseguir alguma remuneração razoável para a sobrevivência da família. Família que aliás tem papel central neste tipo de indústria: significa providencial corte em custos trabalhistas.

O que Amaral precisa agora é voltar a receber fios. A urdideira, máquina na qual começa a preparação dos fios para os teares, anda vazia nos últimos tempos. Não é o que ocorre na pequena tecelagem de Milton Renato Carlstron.

A urditriz não pára um minuto. Com a capacidade de pelo menos 130 mil metros por mês, a fábrica de Carlstron tem conseguido alguma vantagem em relação aos parceiros faccionistas. Abandonou a produção de tecidos sintéticos, por conta dos chineses. Produz agora tecidos de algodão. "Aí não tem chineses", diz.