Título: Invasão chinesa ameaça os têxteis
Autor: Agnaldo Brito e Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Economia, p. B5

Cristiane Martins de Souza tem 23 anos, uma filha e um emprego ensurdecedor. Trabalha numa pequena tecelagem no histórico e decadente bairro de Carioba, às margens do Rio Piracicaba, em Americana, interior de São Paulo. Não tem plano de saúde, nem um mísero protetor auricular. Desde os 13 anos é tecelã. Trabalha 10 horas por dia e é responsável por manter pelo menos 7 teares em funcionamento ininterrupto. Mas nem esse tipo de tecelagem, que conta com Cristiane como força de trabalho barata e disposta, tem conseguido enfrentar os chineses. "Não importa o grau de competitividade a que o pólo chegue. Os produtos chineses entram no Brasil com preço 50% menor", lamenta Fábio Beretta Rossi, presidente do Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara d'Oeste e Sumaré (Sinditec). Americana é o epicentro do maior pólo de tecido plano de fibras artificiais e sintéticas da América Latina. Essa região, que produz 160 milhões de metros lineares por mês, está no olho do furacão chinês. Teme os estragos que a concorrência asiática pode voltar a trazer. Em 1995, a produção caiu pela metade. A dura experiência foi suficiente para o setor, agora alerta, monitorar as ameaças. E a luz vermelha acaba de acender.

Em dois anos, as importações de têxteis e confecções da China aumentaram 275%. O país, que era o quinto fornecedor de têxteis para o Brasil, assumiu a liderança em dois anos. As principais vítimas da concorrência chinesa são as indústrias de fios e tecidos sintéticos e artificiais, como nylon, poliéster, rayon.

A Polyenka, fábrica de filamentos de poliéster que tem 700 funcionários, precisou reduzir a produção pela primeira vez em seus 35 anos de vida. A empresa cortou em 30% a fabricação. Há dois meses, J¿rg Albrecht, presidente da empresa, teve de demitir 50 funcionários. "Fomos obrigados a reduzir os preços para competir com fios chineses e nossa margem de lucro ficou muito pequena", diz Albrecht, que também é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas. "A situação nunca foi tão ruim." Segundo ele, os filamentos de poliéster importados abasteciam 1% do mercado em 1992. Hoje, respondem por 49% e seguem crescendo. "O mercado aumentou, mas os importados cresceram bem mais rapidamente."

A fábrica BerettaRossi - com 70 teares modernos e de alta produtividade - já está com capacidade superior à carteira de pedidos. Foi assim em janeiro, fevereiro. A situação é a mesma em março. "São os chineses", diz Rossi com tom de lamento. Se em dois meses os pedidos não voltarem, Rossi não terá alternativa senão demitir pessoal.

A competitividade chinesa pesa muito. Enquanto os brasileiros são bastante competitivos em algodão, principalmente no segmento cama e mesa, os asiáticos são imbatíveis em sintéticos. A China tem acesso a empréstimos com juros baixos e vem ampliando sua capacidade de produção, ganhando escala. Além disso, tem mão-de-obra baratíssima. E, para completar, o insumo dos tecidos sintéticos - as resinas petroquímicas - sai bem mais caro para o empresário têxtil brasileiro.

"O comércio da China não é leal", diz Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Segundo ele, não há igualdade de condições para competir com os chineses, porque eles têm moeda fixa subvalorizada em 40%, enquanto os brasileiros estão com o câmbio valorizado. "Já vimos esse filme, dez anos atrás, e sabemos que o mocinho morre no final se não forem tomadas providências", diz Pimentel, referindo-se à redução das alíquotas de importação de têxteis, política aplicada pelo então ministro da Fazenda de Itamar Franco, Ciro Gomes, que levou a uma invasão de produtos chineses na época.

O desemprego ronda Americana e região. O setor emprega hoje 30 mil trabalhadores em toda a cadeia, fiação, tecelagem, preparação do tecido, até confecção. As indústrias ainda operam em 3 turnos, mas podem reduzir para 2. Mario Zocca, proprietário de uma tecelagem, já deu um passo adiante. Dos 24 teares, 6 já estão parados. "Acho que o setor deve esperar no máximo dois meses. Caso não haja uma reversão da situação, haverá demissões", afirma.