Título: Grampo comprova a ligação de Daniel Dantas
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Economia, p. B8

A análise das interceptações telefônicas por ordem judicial e do material apreendido na Operação Chacal comprovou os vínculos do empresário Daniel Dantas com a Kroll. Ele e a presidente da Brasil Telecom, Carla Cico, mantinham reuniões freqüentes com os representantes da empresa de auditoria na sede do Grupo Opportunity. Os espiões Tiago Verdial e Júlia Marinho da Cunha investigavam pessoas, físicas e jurídicas, sob pretexto de avaliação de riscos empresariais, resultando em dossiês. Ficou patente o acesso de Verdial a diversos bancos de dados protegidos por sigilo constitucional. "Dados protegidos por sigilo fiscal, telefônico, bancário, telemático e judicial eram obtidos sem dificuldade por Verdial e Júlia", diz o documento.

As formas de acesso a essas fontes variam desde contatos com testemunhas em ações judiciais, servidores públicos, funcionários de companhias telefônicas e provedores de internet, entre outros, caracterizando a ocorrência de crimes contra a administração pública, a administração da Justiça e a liberdade individual.

Os espiões da Kroll utilizavam métodos extremos de investigação particular, violando a legislação, conforme o relatório da PF. "A Kroll não poupava meios materiais e recursos para que Tiago e Júlia conseguissem os dados mais difíceis, considerados tecnicamente sensíveis."

O acesso a documentos sigilosos era tão costumeiro que até os protegidos por segredo de Justiça referente à própria investigação da PF foram encontrados no material apreendido. A PF não sabe quem vazou: se colaboradores da corporação ou do Judiciário, os únicos que tinham acesso.

Num diálogo com a própria mãe, Anne Marie, em maio, Verdial deixa claro o vazamento de informações da investigação da PF. Ele foi alertado por Júlia e Bill a apagar suas mensagens eletrônicas e evitar falar ao celular, conforme mensagens encontradas no material apreendido.

Em busca na casa de Anne Marie, a PF encontrou informação sob segredo de Justiça em poder da quadrilha, inclusive interceptações telefônicas feitas pela própria PF nas investigações.

A característica mais marcante da organização, segundo o relatório da PF, era a aproximação com o poder público, para obter proteção para os crimes, facilidades na obtenção de dados sigilosos ou, ao menos, tolerância em relação à atuação da quadrilha.

O relacionamento da quadrilha com o poder público se dava em dois níveis: utilização de servidores e ex-servidores públicos (policiais, fiscais, etc.) para acesso a dados restritos e aproximação com autoridades para respaldar os seus trabalhos.

Uma das autoridades citadas no material apreendido pela PF é o juiz Carlos Henrique Abrão, de São Paulo, que presidiu o processo de falência das empresas Tecnosistemi, Eudósia e Parmalat. Ele é citado por Verdial com tratamento ambíguo de "nosso glorioso Abrão", em conversa com Adelson Pugliese, uma testemunha do processo cooptada pelo espião. Em outra mensagem,o superior dos espiões Willian Peter Goodal, o Bill, alerta Verdial e Júlia sobre a necessidade de pesquisarem a situação de Luís Carlos Barros, funcionário do Tribunal de Justiça do Rio, supostamente envolvido na distribuição fraudulenta de processos.

Áudios interceptados em março mencionam também o interesse de Bill e Verdial nas decisões do magistrado. Charles Carr, membro da quadrilha na sede internacional, solicita a Júlia, por mensagem, uma lista de perguntas a serem feitas ao juiz. Apesar das tentativas de usá-lo como fonte de dados, o relatório ressalva que a situação poderia não ser do conhecimento do magistrado.