Título: Funcionário da Receita trabalhava para a Kroll
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Economia, p. B8

Relatório da Polícia Federal, ao qual o Estado teve acesso, mostra que a empresa de auditoria Kroll, que montou no Brasil uma estrutura gigantesca de espionagem ilegal, havia cooptado para seus quadros um funcionário público que exerceu uma função estratégica na estrutura da Receita Federal: Deomar Vasconcellos de Moraes, que até o fim de 2002 coordenava a unidade central de inteligência do órgão. "Comprovou-se que Deomar possui vínculos e estaria trabalhando regularmente para a Kroll", diz o documento. O esquema de espionagem, conforme o relatório, envolvia também policiais federais, altos servidores do Banco Central, da Receita e da Caixa Econômica Federal, um juiz de São Paulo e o encarregado da distribuição de processos no Tribunal de Justiça do Rio. Era tão eficiente a captura de dados no setor público que até informações sob segredo de Justiça iam parar nas mãos dos espiões da Kroll sem dificuldade. Ao bisbilhotar a PF, os espiões descobriram que estavam sendo espionados pelos federais.

Conforme o relatório, ainda não se pode imputar crime ao ex-dirigente da Receita Federal, que chegou a ser cogitado para assumir o posto máximo do órgão no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas perdeu o páreo para Jorge Rachid. O documento que mostra a ligação do ex-funcionário da Receita com a Kroll é parcial e feito em cima de parte apenas dessa documentação. A PF acredita, também, que a colaboração com a Kroll teria ocorrido depois de Moraes deixar a chefia da Inteligência da Receita. No entanto, observa o relatório, "é inegável o prestígio e a influência" dele junto ao órgão.

O relatório da PF, de 54 páginas e cinco anexos, foi produzido a partir da análise de parte do material apreendido na Operação Chacal, realizada em outubro de 2004, e das interceptações telefônicas feitas desde abril do ano passado com base em autorização judicial.

Trata-se da primeira análise importante que a Polícia Federal faz com base na documentação apreendida na busca feita em outubro de 2004, no Grupo Opportunity e na casa da empresária Carla Cico, presidente da Brasil Telecom e braço direito do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity.

Apesar de ser parcial, o documento monta o organograma da quadrilha de espionagem e identifica os autores e boa parte dos colaboradores. A investigação da PF identificou o que chamou de "contorno de uma organização criminosa com atuação na obtenção, produção e difusão de documentação contendo dados protegidos por sigilo constitucional".

DESAFETOS

O documento da PF reafirma que a Kroll investigou ilegalmente desafetos de Daniel Dantas, selecionados entre empresários e autoridades, sob encomenda dele e de Carla Cico. Uma das novidades é o surgimento do nome do empresário Nelson Tanure, dono de jornais e estaleiros, entre os alvos bisbilhotados a mando de Dantas.

Segundo o relatório, entre os alvos da espionagem estão também concorrentes empresariais e desafetos políticos de Dantas, entre os quais o ex-sócio dele, Luís Roberto Demarco, o ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb Lima, e o investidor Naji Nahas.

Um dos destaques da rede era o agente da PF André Ordones Filho, que já está indiciado no inquérito e encontra-se afastado das funções. Outro apanhado nas investigações é o ex-servidor do Banco Central Alcindo Ferreira. Ele já declarou, em depoimento à PF, que foi contratado pela Kroll apenas para "traduzir" códigos usados pelo BC em operações de câmbio. Os servidores corrompidos e colaboradores estão na base da pirâmide da organização, designados como "subs" nos relatórios da Kroll apreendidos.

A descoberta de que a Kroll mantinha uma rede de espionagens ilegais no Brasil ocorreu durante as investigações da falência da Parmalat. Uma das testemunhas, Adelson Pugliese, estava sendo pressionado por Tiago Verdial, funcionário da Kroll. Ao investigar Verdial, a PF desvendou todo o esquema de espionagem montado pelo Opportunity.

O material apreendido na Operação Chacal mostrou que pelo menos cinco espiões trabalhavam em parceria com Verdial. O mais atuante deles era a espiã Júlia Marinho da Cunha. O grupo era subordinado a Willian Peter Goodal, o Bill, egresso do serviço secreto britânico.

Os relatórios produzidos por Verdial, Júlia e Maria Paula, outra espiã, eram passados a Bill, que os mandava aos escritórios da Kroll internacional nos Estados Unidos e na Inglaterra e também para os contratantes Daniel Dantas e Carla Cico, identificados como DD e CC. A PF descobriu que o Citibank também recebia cópias e vai abrir uma linha de investigação para saber se a instituição se beneficiou e fez uso das informações da quadrilha.

Esta semana, uma equipe da Diretoria de Inteligência da PF foi ao Rio interrogar Dantas e Cico e também Nelson Tanure, um dos alvos bisbilhotados pelo grupo. Dantas, porém, não apareceu e seus advogados estão retardando a apresentação, durante a qual o empresário deverá ser indiciado. A PF ofereceu a Cico o benefício da delação premiada, pela qual ela pode ser excluída da denúncia se decidir colaborar.