Título: Controvérsias põem em xeque a política monetária
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Economia e Negócios, p. B4

Não há consenso entre economistas que passaram pela diretoria do BC sobre a eficácia das altas mensais da taxa de juros

RIO - As altas mensais da taxa de juros básica, a Selic, de 16% em setembro para os 18,75% decididos pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira provocam polêmica sobre a eficácia da política monetária do Banco Central (BC). Não há consenso entre economistas que passaram pela diretoria do BC. O sócio-diretor da Rio Bravo e ex-presidente do BC, Gustavo Franco, na quarta-feira levantou a hipótese de que "há uma nova química de formação de preços na economia e de composição da inflação que se adaptou ao regime de flutuação cambial e criou uma nova realidade. A inflação não responde nem aos juros altos nem à âncora cambial e isso é muito instigante e novo".

Luiz Fernando Figueiredo, que abriu a empresa de investimentos Mauá, tem outra opinião. Ele não vê essa possibilidade de fator novo na inflação influenciado pelo câmbio flutuante e considera a política monetária eficaz. Para o economista, a questão é a não utilização da flexibilidade do sistema de metas de inflação.

Figueiredo lembra que, quando era diretor de Política Monetária, o BC costumava divulgar mensalmente metas ajustadas de inflação, considerando o impacto de choques de oferta, como as altas internacionais de produtos com os preços determinados pelo mercado internacional em geral como petróleo, soja e aço, o aumento de impostos ou da cotação do dólar. "Não há nada que a política monetária possa fazer contra choques de oferta", diz. A meta deste ano foi mudada só uma vez, em 2004, de 4,5% para 5,1%.

"O Banco Central exagerou ao escolher uma meta irrealista", dispara o ex-diretor de Dívida Pública da instituição e chefe do Departamento de Economia da Confederação Nacional de Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes. Para ele, "o BC está com as mãos amarradas porque a liquidez excessiva (excesso de dinheiro em circulação estimulando consumo e inflação) é fruto da própria política monetária". Os juros altos atraem dólares que, ao serem trocados, aumentam a quantidade de reais. Também injetam moeda na economia ao remunerar o dinheiro dos bancos no BC.

GASTOS

O atual diretor de Fiscalização do BC, Paulo Cavalheiro, defende a instituição. "O Copom é conseqüência do que se passa", diz ele, que tem voto na decisão da Selic. "As ações têm de se fazer às vezes em outras áreas, outras instâncias", afirma, sem explicitar quais, mas negando, em seguida, estar se referindo aos gastos públicos.

Para o sócio-diretor da consultoria MCM, José Júlio Senna, porém, Cavalheiro poderia estar, sim, se referindo de forma velada a isso. "Os gastos públicos federais estão crescendo 10% ao ano", diz. "A tarefa de trazer a inflação para a meta é de todo o governo não só do Banco Central."

Senna cita também o aumento do crédito direcionado, que tem taxas que não seguem a Selic e uso específico como os para agricultura e os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O diretor do Banco Itaú Sérgio Werlang avalia que a expansão dos gastos públicos são a causa principal da inflação ao aumentar a demanda. Ele estima que os gastos públicos com bens e serviços causaram um aumento na demanda no ano passado equivalente a R$ 33,5 bilhões ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), supondo que estados e municípios aumentaram gastos na mesma proporção do governo federal.

Para Werlang, a política monetária está tendo sua eficácia limitada pela política fiscal. Como reação ao impacto na inflação, "os juros sobem para fazer a demanda voltar e o câmbio vai lá para baixo". Em conseqüência à queda do dólar, diz, o saldo comercial tende a diminuir e os investimentos produtivos também são desestimulados. Assim, argumenta, a melhor solução para ter inflação baixa e conservar a atual situação tranqüila nas contas externas é o governo cortar gastos. "Por que não? Nem é ano eleitoral."