Título: Ajuda à Varig dá esperanças à Panair
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2005, Economia, p. B9

A possibilidade de o governo federal fazer um encontro de contas com a Varig, compensando créditos pela indenização de perdas provocadas por planos econômicos com dívidas da companhia com a União, um acerto de cerca de R$ 3 bilhões, acendeu as luzes da Panair. Fechada há exatos 40 anos por um decreto da ditadura militar, a Panair luta até hoje na Justiça por um ato de reparação moral do governo federal, sem contar os inúmeros processos de indenização material de monta incalculável. "O governo não pode discutir o acordo com a Varig sem fazer uma reparação histórica com a Panair, ainda que a demanda da Varig seja justa", afirma Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda, que, junto com o empresário Mario Wallace Simonsen, era dono da Panair do Brasil. Subsidiária da americana PanAmerican e fundada em 1930, a Panair foi nacionalizada por Getúlio Vargas e, em 1961, comprada por Rocha Miranda e Simonsen. O último, na época, era o homem mais rico do País, dono da TV Excelsior e também da Comal, a maior empresa de exportação de café do Brasil na época em que a venda externa do grão respondia por dois terços da nossa pauta.

A Panair era a maior e mais admirada empresa de aviação do País. Responsável pela construção de praticamente todos os aeroportos das Regiões Norte e Nordeste, dona de uma rede de torres e rádios que dava suporte aos aviões e também da maior oficina de motores de aviação, a Panair era o símbolo do País no exterior, sua marca mais famosa. Mas seus donos cometeram o "pecado" de não apoiar a ditadura militar.

No dia 10 de fevereiro de 1965, o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, cassou as linhas da Panair e determinou que suas linhas internacionais fossem assumidas pela Varig. E a empresa de Ruben Berta já estava com os aviões prontos para realizar os vôos da Panair na mesma noite da cassação.

No ainda inédito "Pouso Forçado: a história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar", o pesquisador Daniel Leb Sasaki aponta vários fatores que levaram o governo militar a cassar as linhas da Panair. Em primeiro lugar, conta Sasaki, a ditadura levou ao poder inimigos de Simonsen e Rocha Miranda. Além da Panair, todos os negócios dos dois empresários foram boicotados e seus familiares, perseguidos.

Os militares tampouco viam com bons olhos o fato de uma infra-estrutura estratégica - como os aeroportos, a rede de comunicação e a oficina de turbinas - estar em mãos privadas. Com o chamado decreto Panair, a rede de aeroportos se transformou em Infraero, as antenas e rádios passaram a ser controladas pela Aeronáutica e a oficina, Celma, virou estatal depois de invadida por tropas militares (privatizada em 1991, hoje é uma divisão da General Electric).

Na época, o governo militar justificou a cassação com o fato de que a empresa estava endividada. "Nos anos 60, todas as empresas, sem exceção, viviam uma crise, e, dentre elas, a Panair era a que tinha melhores chances de recuperação", afirma Sasaki. "O patrimônio da Panair superava em muito sua dívida, situação bem diferente daquela em que hoje se encontra a Varig."

Desprovida de sua principal fonte de receita, a Panair requereu concordata logo após a cassação das linhas. Inconformado, o ministro da Aeronáutica foi pessoalmente à 6.ª Vara Cível do Rio. Proibiu o juiz de deferir o pedido e mandou decretar a falência. Como não apareceu nenhum credor para requerer falência, o brigadeiro providenciou um protesto do Banco do Brasil. Ao longo do processo, o patrimônio foi sendo dilapidado, mas mesmo assim a massa falida da Panair conseguiu saldar todas as suas dívidas e, ainda por cima, gerar lucro.

Alguns aviões foram arrendados para a Varig e a Cruzeiro e, com a receita, todos os 5 mil funcionários foram indenizados. Em 1969, a empresa ganhou uma ação de revisão dos valores do arrendamento, que foi retrucada com um decreto confiscando as aeronaves. Desta vez, a União indenizou a empresa, mas com um valor superior a sua dívida. Com a diferença em caixa, os advogados da Panair solicitaram a suspensão da falência. "Um dia antes da audiência, porém, surgiu uma nova dívida com a União e, em seguida, o governo baixou um decreto arbitrário impedindo empresas aéreas de entrar em concordata", diz Sasaki.

Ironicamente, a reparação desse decreto, com a permissão para as aéreas entrarem em concordata, prevista na nova Lei de Falências que entra em vigor em meados de junho, partiu de uma pressão política para beneficiar justamente a Varig.