Título: BNDES foca mercado de capitais interno
Autor: Carlos Kawal
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Economia e Negócios, p. B5

Captações em reais vão complementar o orçamento do banco

RIO - O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai usar cada vez mais o mercado de capitais nacional para complementar os recursos que utiliza para o financiamento de longo prazo das empresas brasileiras. Em sua primeira entrevista à imprensa desde que assumiu as diretorias da área financeira e administrativa, o economista Carlos Kawall, que veio do Citibank, disse que a ampliação do mercado de financiamento de longo prazo em reais é uma questão crítica para que o atual crescimento econômico se torne um ciclo de desenvolvimento sustentável. A seguir, a entrevista: Quais são as suas primeiras impressões no novo cargo?

Estamos num momento muito interessante, com a demanda pelos recursos do BNDES em ascensão desde o ano passado, envolvendo grandes projetos de investimento, sobretudo industrial, mas também em infra-estrutura. Pelo lado macroeconômico, estamos otimistas em que o País vai ingressar num período de desenvolvimento sustentável, e o crescimento do investimento é uma variável crítica. O BNDES vai contribuir neste novo ciclo de investimentos, num conceito de parceria com o setor privado.

Como será essa parceria?

É uma parceria para estruturar grandes projetos. O banco pode contribuir no lado financeiro, mas tem também toda a inteligência acumulada no BNDES, o capital humano, o que o intitula a ser uma instância de articulação de grandes projetos. Não é uma postura arrogante, de quem vai orientar, mas que deriva do fato de que os grandes grupos privados, ligados a grandes projetos, vêem de fato no BNDES um parceiro.

Como está a gestão do 'funding' (recursos que lastreiam os financiamentos) do BNDES?

Os recursos do banco vêem prioritariamente da poupança compulsória, do FAT (Fundo de Auxílio ao Trabalhador). Não houve na História recente nenhum governo que quisesse abrir mão desta fonte de recursos. Ela provavelmente não será suficiente para atender a magnitude da demanda que estamos antevendo, e o banco tem de se suprir desta necessidade extra no mercado, como já fez em outras épocas. Mas ele o fez sobretudo no mercado internacional.

Qual será a estratégia de captação agora?

Agora, embora o mercado externo esteja favorável, com taxa de juro baixa, dólar em queda e oferta abundante, o que nós vemos é que a demanda do setor privado por recursos em dólares é muito pequena. Aquele momento no qual caminhamos para nos suprir com o financiamento externo passou. Não é que não haverá mais. O BNDES tem repasses de organismos multilaterais. As empresas internacionalizadas, e mesmo estatais, como a Petrobrás, continuarão acessando o mercado internacional. Hoje aliás, uma grande empresa brasileira exportadora, com acesso ao mercado externo, consegue recursos a custo mais barato que o BNDES. Mas o desafio para o banco, para atender esta demanda crescente de financiamento, indo além da poupança compulsória, é buscar esta parcela extra no mercado doméstico. No mercado externo, nossa atuação será mais modesta.

Como o BNDES vai atuar?

Há a hipótese de emissão de debêntures. Isto é algo que o banco esteve perto de fazer no ano passado, mas que acabou não saindo, em função da demanda que ainda não justificava. Também há uma série de idéias no sentido de o banco estimular o mercado de debêntures. Como se sabe, ele ainda é modesto, tem pouca liquidez, e é uma área em que temos recebido propostas de como o banco pode atuar.

E que propostas são estas?

Por enquanto são hipóteses, como estimular fundos, ou a possibilidade de prestar garantias. O banco já trabalhou muito com o uso de debêntures conversíveis, que se configuram como uma alternativa interessante, especialmente quando há recuperação da economia. E podemos atuar para ampliar a liquidez do mercado.

Isto significa atuar com uma carteira de debêntures, como o BNDES faz com ações?

Sim. Hoje o BNDES tem uma carteira de debêntures mas que, em grande parte, não é em condições de mercado, e está mais ligada a projetos de financiamento. Então, o que você falou é uma possibilidade.

Há críticas de que o papel do BNDES de financiar projetos de longo prazo inibe o desenvolvimento de um mercado de capitais autônomo?

Fiz mais de uma dúzia de reuniões com bancos, investidores, agentes do mercado de capitais, e todos trazem uma mensagem de que o BNDES tem um papel importante de fomentar o mercado, particularmente o de renda fixa, que é relativamente menos desenvolvido no Brasil. Muitos atores do mercado dizem que é importante o BNDES participar da indústria de novos produtos financeiros, de fundos que estão nascendo (como os fundos de direitos creditórios e de "private equity"), porque representa um selo de qualidade, que atrai o investidor estrangeiro e organismos internacionais. O tipo de discussão que temos com aqueles atores não tem nada a ver com os ataques que o banco tem sofrido, que o classificam de ineficiente, ou que atrapalha o surgimento do mercado de capitais. Há uma curiosa falta de sintonia entre estas críticas, que muitas vezes são acadêmicas, e o que ouvimos do setor privado.

Neste contexto, o BNDES está cumprindo um papel na agenda microeconômica, o desenvolvimento do mercado de capitais. Inclusive tem sido chamado pelo próprio mercado a ser uma instituição atuante no plano diretor do mercado de capitais.