Título: Informalidade já paga quase o mesmo que trabalho formal
Autor: Nilson Brandão Junior e Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2005, Economia, p. B6

Renda dos que têm carteira assinada é achatada, enquanto qualificação crescente eleva remuneração dos sem-carteira

RIO - Depois do boom da informalidade nos últimos anos, que elevou para 37 milhões o número de trabalhadores sem carteira assinada - o equivalente à metade da população remunerada, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - o País acompanha agora outra mudança significativa no mercado de trabalho: a aproximação do valor do rendimento médio de trabalhadores formais e informais. No início dos anos 90, a renda dos empregados com carteira assinada era 50% superior à dos sem carteira. Em 12 anos, a diferença caiu para 15%. Outro dado revelado no acompanhamento do mercado de trabalho pelo Ipea, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento: ao contrário do que se imaginava, de novembro de 2002 a outubro de 2004 - período com forte crise econômica -, houve também uma explosão de empregos. Foram criados em torno de 1,2 milhão de novos postos de trabalho. Mas, como informa o pesquisador Lauro Ramos, "a quase totalidade deles refere-se a empregos de péssima qualidade", ou seja, de baixa qualificação e sub-remuneração.

As estatísticas são de diferentes estudos reunidos pelo Ipea, mas apontam para o mesmo caminho: a deterioração que o mercado de trabalho vem sofrendo nos últimos anos. As curvas convergentes dos rendimentos formais e informais deve-se, na análise de especialistas, a dois fatores que marcaram a década de 90. Houve uma significativa migração do mercado formal para o informal, de trabalhadores com maior qualificação - identificados pelo período de estudo igual ou superior a 11 anos -, elevando com isso a remuneração nesse segmento, paralelamente ao achatamento salarial em categorias importantes do mercado formal, como a indústria e o comércio.

A preocupação do governo com o avanço da informalidade é crescente. Em outubro do ano passado, sob a coordenação do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, foram reunidos no Ipea, em seminário fechado, 11 economistas que acompanham o mercado de trabalho no Brasil para discutir exclusivamente este tema. André Urani (Iets), Armando Castelar (Ipea), Fábio Giambiagi (Ipea), Jorge Jatobá (Fundação Getúlio Vargas-FGV), José Márcio Camargo (PUC/RJ), Lauro Ramos (Ipea), Marcelo Neri (Ibre/FGV), Naércio Aquino (USP), Reynaldo Fernandes (Esaf), Ricardo Paes de Barros (Ipea) e Samuel Pessoa (EPGE/FGV) apresentaram estudos e fizeram um diagnóstico sobre a informalização do trabalho.

QUALIFICADOS E INFORMAIS

Gabriel Ulyssea, economista do Ipea e um dos autores do documento-síntese sobre o debate, comenta que, desde a década passada, tem havido um impressionante movimento de trabalhadores formais em direção à informalidade e vice-versa. "Há um fluxo intenso e simultâneo entre os setores, detectado pelas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cada mês muda a taxa de transição entre os trabalhadores com e sem carteira", diz.

Em 1984, 6% dos trabalhadores formais ingressavam na informalidade, taxa que saltou para 9% em 1990. O estudo do Ipea foi feito com base nos dados da série história da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que acompanha as mudanças no mercado de trabalho apenas em seis regiões metropolitanas do País.

Com os dados de outra pesquisa do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), verificou-se também o crescimento na quantidade de trabalhadores "qualificados" sem registro do emprego em carteira. Ou seja, tem aumentado o ingresso na informalidade de pessoas com 11 anos de estudo ou mais. Para o economista José Márcio Camargo, o fenômeno está diretamente ligado à estrutura fiscal e previdenciária atual.

"A qualificação do trabalhador formal aumentou por causa da elevação da cunha fiscal. Estão ocorrendo com alguma freqüência acordos em que a empresa e o trabalhador se apropriam do dinheiro que seria pago em impostos. Acho que isso é coisa que uma fiscalização não resolveria, porque nenhuma das partes tem interesse em denunciar. O que tem de haver é uma mudança na legislação para reduzir a cunha fiscal. Também a estrutura da Previdência contribui para a informalidade, quando permite aposentadoria a quem não contribuiu. Enquanto todos os incentivos empurrarem o trabalhador para este lado, vai ser difícil reduzir a proporção de informais", diz Camargo. Ele lembra que, ao longo dos anos 80, entre 35% e 40% do emprego era informal. A Constituição de 1988 provocou um salto deste porcentual para 50%, afirma.

Gabriel Ulyssea cita que, nos 20 anos que vão do início da década de 1980 ao fim dos anos 90, a escolaridade média dos empregados sem carteira praticamente duplicou, saltando de 3,07 anos para 5,85 anos. O tempo de estudo dos empregados formais cresceu menos, de 6,17 anos para 7,78 anos. O resultado disso é que, atualmente, um quarto dos empregados informais têm 11 anos ou mais de estudo.

A diferença de tempo de estudo caiu ao mesmo tempo em que a distância de salários encolheu entre os dois grupos de trabalhadores. Não à toa, a fatia dos empregados informais com renda acima de um salário mínimo também aumentou significativamente, passando de 39% para mais da metade (53%) do total na informalidade. "Na verdade, os dados indicam que houve uma melhora da qualificação dos trabalhadores informais e por isso este diferencial (de renda) está caindo", diz o economista do Ipea.

Parte da migração do setor formal para o informal da economia, acredita Ulyssea, está ligada ao baixo crescimento econômico desde a década passada e aos efeitos deste cenário sobre a criação de emprego.

Além disso, o economista destaca o que chama de encarecimento da mão-de-obra formal, causado pela legislação. Segundo ele, o custo do trabalho formal cresceu para as empresas, o que acaba desestimulando a oferta de emprego protegido pela carteira. "Isso pode ter causado aumento da informalidade pelo lado das empresas."