Título: G-20, sem surpresa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2005, Notas e Informações, p. A3

F racassou o esforço do governo brasileiro de ampliar a atuação do Grupo dos 20 (G-20) nas negociações globais de comércio. O governo brasileiro, com apoio do indiano, propôs que o grupo, formado em 2003 para defender a reforma do comércio agrícola, defendesse posições comuns também nas discussões sobre produtos industriais, serviços e outros tópicos da Rodada Doha. Sem surpresa, a proposta foi recusada por várias delegações, em reunião de dois dias em Nova Délhi, na Índia, concluída no sábado. A diplomacia brasileira agiu, mais uma vez, com base na ilusão de que as economias em desenvolvimento têm suficientes interesses comuns para formar uma grande frente na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mesmo a aliança em torno de questões agrícolas tem propósitos limitados. Nem todos os países têm interesse numa liberalização geral do comércio do agronegócio. Os membros do G-20 só estão de acordo em batalhar por alterações nas políticas do mundo rico. Poucos estão dispostos a abrir seus mercados à concorrência. China e Índia, por exemplo, embora participem da liderança do grupo, preferem uma política defensiva para o agronegócio.

Era previsível que a proposta de ampliação dos objetivos do G-20 seria rejeitada. O grupo inclui, mesmo entre os mais industrializados, países com políticas e situações muito diferentes, como China, Chile, México e África do Sul. Inclui, além disso, países com desenvolvimento industrial muito menor. Chile e México têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos. A China joga com regras próprias e tem um longo período para se ajustar às normas da OMC. Além disso, não é parte de sua agenda uma política terceiro-mundista. O exame caso a caso mostraria diferenças muito relevantes nos objetivos e nos pontos de partida de cada país.

Isso ocorre não só no G-20. Apesar da retórica da integração e do acordo de livre comércio entre o Mercosul e os andinos, a coincidência dos interesses é limitada e as prioridades são diferentes. Não há dúvida, por exemplo, de que o comércio com os Estados Unidos é muito mais importante para a maior parte dos sul-americanos do que o intercâmbio com o Brasil. Mesmo no Mercosul as diferenças de objetivos são indisfarçáveis.

A recusa do G-20 de ampliar sua agenda mostra mais uma vez uma importante diferença entre a diplomacia comercial do Brasil e a de seus parceiros. A diplomacia brasileira tem como base um projeto de ação coletiva - que não se confunde com um projeto coletivo de ação. É um axioma dessa política a estreita semelhança, se não identidade, entre os interesses brasileiros e os de outros países em desenvolvimento.

É isso que dá sentido à ambição, muitas vezes proclamada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de redesenhar a geografia econômica e comercial. Apesar do nacionalismo alardeado por muitos defensores da diplomacia petista, essa política tem como pressuposto que os interesses do Brasil só serão promovidos por meio de uma grande aliança para o confronto com as grandes potências. É algo muito diferente do jogo tradicional, e mais realista, das chamadas alianças de geometria variável, combinações específicas para a promoção de interesses específicos.

Outros governos seguem roteiro oposto. A partir de uma definição de interesses nacionais, pautam suas manobras diplomáticas e delimitam a amplitude e o alcance de seus compromissos. Seus compromissos têm valor instrumental. Participam do G-20 para defender um objetivo determinado, mas isso não implica nenhuma outra vinculação. Por isso, o presidente Lula e o presidente Hu Jintao podem falar igualmente em aliança estratégica entre Brasil e China, mas essas palavras têm significados diferentes no discurso de um e de outro.

O evidente objetivo do governo chinês é construir uma potência econômica no mais curto prazo possível e a cooperação com o Brasil, ou com qualquer outro país, é apenas um instrumento para isso. O objetivo do governo chinês, como o de tantos outros governos, é acima de tudo a redenção econômica do seu país, não a dos povos oprimidos. Não ocorreu nada misterioso em Nova Délhi. Apenas se provou, mais uma vez, que a maioria dos governos é movida por interesses nacionais, não por bandeiras de ação internacional.