Título: Enredado com Jucá
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2005, Notas & Informações, p. A3

E m tese, o presidente Lula está coberto de razão quando diz que não pode "tirar ou colocar ministro em função desta ou daquela manchete de jornal" ou devido a "insinuações do tipo 'eu acho e eu penso', sem que haja coisas concretas". Mas, diante da coisa concreta que motivou o seu comentário - a situação praticamente insustentável do novo ministro da Previdência, o senador peemedebista Romero Jucá -, as palavras do presidente representam nada além de uma canhestra tentativa de justificar o que ele há de saber que não se justifica.

Lula não convence ninguém ao minimizar a gravidade das denúncias que transformaram o currículo do cacique político de Roraima em folha corrida - e, por extensão, fizeram de sua escolha para a equipe do Planalto um desastre à espera de um desenlace. Antes de mais nada, o presidente comete uma pesada injustiça com a imprensa. Releia-se todo o copioso material publicado sobre as maracutaias de variada natureza das quais o ministro não consegue desvencilhar o seu nome e só não se encontrarão "insinuações do tipo 'eu acho e eu penso'".

Quando alguém, especialmente um político e especialmente na área federal, está para ser convidado a integrar o governo, é rotina jornalística reconstituir a sua história, para apurar se ela esconde passagens turvas que, por si sós, desaconselhariam a sua nomeação, seja para salvaguardar a moralidade administrativa, seja para não deixar o titular do Executivo em situação embaraçosa perante a opinião pública. É rigorosamente o que também fazem, para uso da autoridade que irá nomeá-lo, os serviços de inteligência. No caso do senador Jucá, por sinal, a autoridade - o presidente da República - não cumpriu seu dever funcional de examinar os dados levantados. Quanto à investigação da mídia, consistiu quase sempre em reavivar, enriquecer com novos detalhes e levar a conhecimento público episódios tidos e sabidos pelos políticos e por todos quantos gravitam a seu redor.

A verdade é que não parece haver solução fácil para o problema Jucá - a menos na incerta hipótese de que ele consiga documentar, como disse que tomou a iniciativa de fazer, ao pedir ele mesmo que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal o investigassem, a sua inocência, neutralizando os fatos que depõem contra si. Em qualquer outra circunstância, principalmente se pairarem dúvidas sobre as motivações de uma eventual decisão do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, de se dar por satisfeito com a versão do ministro, o presidente continuará obrigado a ficar em cada vez mais desconfortável posição defensiva.

Sem falar que, pela mera lei das probabilidades, considerando o que já se divulgou sobre Jucá, outras notícias do gênero poderão sair em jornais e revistas, desmanchando de vez a sua inconvincente teoria de que "a política eleitoral de Roraima" está na origem das "inverdades, distorções, calúnias e leviandades publicadas de forma sensacionalista e imprecisa". Este jornal reitera que não considera o ministro culpado de antemão de qualquer das acusações de que é alvo. Tampouco se compraz com a perspectiva de agravamento dos problemas da Previdência - da corrupção que perpassa o setor ao seu déficit cada vez mais alarmante (R$ 38 bilhões este ano e R$ 43 bilhões, ou 2% do PIB, em 2006, segundo estimativas oficiais).

Mas esses são fatores imperativos que exigem uma solução urgente para o imbróglio em que o presidente se enroscou única e exclusivamente para afagar o PMDB que tanto corteja para tê-lo na comissão de frente do desfile reeleitoral de 2006. A propósito, talvez fosse o caso de Lula parar de dizer, como anteontem em São Bernardo, que "não podemos permitir que a eleição determine o nosso comportamento", como se até as pedras já não soubessem o quanto ela o vem determinando, desde os insucessos do PT no pleito municipal do ano passado.

Lula não é o primeiro governante brasileiro e nem será o último a se enredar nesse tipo de problema. Mas o interesse nacional demanda na cúpula da Previdência alguém honrado que saiba o que fazer com os seus imensos problemas. Enquanto isso não acontece, a única luz no fim do túnel está na manifestação do titular da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Embora se declarasse confiante na licitude dos atos de Jucá, afirmou: "Em um Estado democrático, numa República, ninguém tem imunidade, ninguém está acima da lei ou fora da lei." Para bom entendedor, é mais do que meia palavra.