Título: Bush assina lei de madrugada, mas juiz não encerra caso Terri
Autor: AP, AFP, Reuters e EFE
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2005, Vida, p. A17

Manobra republicana tenta garantir na Justiça Federal que sonda de alimentação seja religada

TAMPA, FLÓRIDA - Apesar de o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ter sancionado na madrugada de ontem uma lei que pode religar Terri Schiavo, de 41 anos, à sonda que a manteve viva por 15 anos em estado vegetativo e foi retirada na sexta-feira, a situação da americana continuava indefinida até o fim do dia. A manobra republicana transferiu às pressas o caso da Justiça Estadual para a Federal, mas o juiz James D. Whittemore, do tribunal federal da Flórida, decidiu, após receber o apelo dos pais de Terri, que não tomaria nenhuma decisão imediata. "Eu não vou dizer onde, como e quando será", afirmou Whittemorem, após o término da audiência, por volta das 17 horas de ontem (19 horas no Brasil). A esperança da família e da articulação dos republicanos era fazer que um juiz federal revertesse a decisão do tribunal da Flórida, que na sexta-feira autorizou a retirada da sonda a pedido do marido e guardião legal de Terri. Bush assinou o texto menos de uma hora depois da aprovação no Congresso - a primeira vez que o presidente interrompeu seus dias de férias para assinar uma lei. Se o tubo não for religado, a mulher pode morrer entre uma e duas semanas.

Segundo analistas, a ação dos republicanos no domingo teve como objetivo ganhar os votos dos grupos católicos conservadores. A interferência no caso, porém, revelou contradições no comportamento do partido e levantou uma discussão sobre as competências do governo federal em relação aos Estados e sobre o poder das instâncias públicas para tratar de assuntos particulares.

Tradicionais defensores da limitação da participação do Estado na vida privada, os republicanos entraram em contradição ao organizar às pressas a votação. Consciente do caráter excepcional da intervenção do Congresso numa questão que estava nas mãos do Judiciário local, o líder da maioria republicana no Senado, Bill Frist, disse que a lei era "única" e não "deveria servir de precedente para projetos futuros".

Para o representante democrata Barney Frank, é ingênuo pensar que a lei não estabelecerá um precedente. "De agora em diante, cada família em situação parecida com essa virá ao Congresso para pedir que tomemos uma decisão", disse. Questionado sobre a aparente contradição republicana, o chefe da maioria do partido na Câmara de Representantes, Tom Delay, declarou: "Nós, o Congresso, temos de garantir que os direitos constitucionais de Terri sejam protegidos".

"Sancionei uma lei que permitirá que as cortes federais recebam uma demanda em nome de Terri Schiavo por violações de seus direitos", disse Bush. "Em casos como esse, quando há dúvidas profundas, nossa sociedade, nossas leis e nossos tribunais tendem a ficar a favor da vida."

A decisão irritou o marido de Terri, Michael Schiavo. "Esse problema não é político. Terri disse que não desejava ser mantida viva artificialmente e o caso passou por 19 juízes nos últimos sete anos. Agora a Câmara e o Senado dizem que eles estavam todos equivocados. Estão contrariando a Constituição. O que está acontecendo deveria dar muito medo a todos os cidadãos americanos."

A interferência deixou juristas e advogados americanos escandalizados. Para um professor de bioética da Universidade de Boston, "os republicanos estão fazendo demagogia com os direitos religiosos, a pior forma de demagogia que existe". Segundo Robert A. Schapiro, professor de Direito na Emory University, de Atlanta, a lei "não tem precedentes". De acordo com ele, a responsabilidade por casos como esses sempre foi dos Estados.

LONGA BATALHA

A tragédia de Terri Schiavo começou em 1990, quando tinha 26 anos e ficou em estado vegetativo após sofrer um ataque cardíaco por causa de uma súbita redução de potássio no organismo, causada aparentemente por uma rigorosa dieta para emagrecer. Durante oito anos ela foi alimentada artificialmente, até que em 1998 seu marido, que tem sua tutela, decidiu que lhe fosse retirada a sonda, alegando que sua mulher "nunca quis viver assim".

Aí começou a longa batalha judicial com os pais de Terri, durante a qual a sonda que a alimentava foi desligada e religada duas vezes, a última em 15 de outubro de 2003, quando os pais de Terri recorreram ao governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do presidente dos EUA, que apresentou uma lei para o caso.

Os pais de Terri lutam contra a retirada da sonda por acreditar que a filha responde à presença deles e seu estado poderá ser revertido com tratamentos mais evoluídos. No entanto, segundo neurologistas, Terri não recuperará a consciência. Ela está em um estado vegetativo permanente, diagnóstico que até hoje nunca foi revertido, de acordo com a Academia Americana de Neurologia.

Segundo o neurologista Ronald Cranford, da Escola de Medicina da Universidade de Minnesota, os reflexos de pacientes podem iludir: "Os olhos abrem e ele pode fazer movimentos espontâneos, emitir sons e expressões faciais, o que para a família pode parecer uma resposta emocional e cognitiva. Mas são só reflexos."

Isso porque o córtex cerebral foi totalmente destruído, explica Lawrence Schneiderman, da Universidade da Califórnia. "Cinco a seis minutos sem oxigênio destroem o córtex cerebral, que é responsável pela consciência, personalidade e capacidade de ver, ouvir, pensar e sentir."

Ontem, o Vaticano e líderes de várias religiões se manifestaram sobre o assunto. A Igreja Católica condenou a retirada da sonda e os judeus ortodoxos disseram que o aparelho interfere no processo da morte. Muçulmanos e protestantes também se pronunciaram.