Título: Novo sonho realizado, mesmo após laqueadura
Autor: Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2005, Vida - saúde, p. A19

Com novo casamento e o desejo de ter filhos, mulheres revertem ligamento de trompas

RIO - Aos 23 anos, mãe de duas filhas, Cláudia Nogueira Gonçalves Leal tomou uma decisão drástica: apoiada pelo marido, submeteu-se a uma laqueadura de trompas, para não mais engravidar. Quinze anos depois, com um segundo casamento, surgiu novamente a vontade de ter um bebê. Ela recorreu então à cirurgia de recanalização tubária por videolaparoscopia (veja ilustração ao lado). Hoje, carrega nos braços o pequeno Christiano, de 5 meses, alegria da família. A história de Cláudia é igual à de muitas mulheres que se arrependem de terem ligado as trompas, o que acontece em 1 a cada 100 casos.

Normalmente, a ligadura é repensada depois de uma separação e de uma nova união.

Com os divórcios em alta - segundo o IBGE, o volume deles cresceu 44% entre 1993 e 2003 -, é cada vez mais comum a mulher se casar mais de uma vez. E como, em média, a decisão de se separar é tomada aos 35 anos, idade em que ela ainda pode ter filhos, é também maior a probabilidade de outra gestação.

PELO UMBIGO

O religamento de trompas é realizado há 40 anos. A recanalização por videolaparoscopia é um método mais recente, muito menos invasivo e com melhor resultado estético do que a cirurgia tradicional. É feita com a ajuda de uma cânula com uma câmera na ponta, introduzida pelo umbigo da paciente.

A câmera funciona como um 'olho' para o médico, que acompanha as imagens do interior da mulher por um monitor. Outras duas ou três incisões são feitas para a introdução dos instrumentos. O ginecologista une então as partes das trompas seccionadas pela laqueadura, para que o óvulo produzido pelo ovário possa ser fecundado e chegar ao útero. No Rio, o Hospital Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio (Uerj), oferece esse tipo de intervenção.

As candidatas à cirurgia resolvem engravidar de novo não só quando se casam novamente, mas também quando perdem seus filhos. Foi assim com Mônica Soares. Ela fez a laqueadura aos 23 anos e com dois filhos. 'Liguei porque o anticoncepcional me fazia mal', conta.

Ela se arrependeu quando a caçula do casal morreu, vítima de meningite, com 2 anos. 'Fiquei desesperada e resolvi ter outro filho logo. Só pensava nisso.' Mônica soube do procedimento moderno por intermédio de um amigo médico e ficou grávida um ano após ser operada. William da Silva Soares Junior tem 1 ano e 5 meses. 'Nada compensa a dor da morte de um filho, mas ter outro bebê foi um sopro de vida.'

DESEJO

Cláudia também sofreu muito antes de realizar seu sonho. Da primeira união, ela tem Anna Carolina, hoje com 21 anos, e Luiza, com 17. O desejo de ser mãe pela terceira vez veio quando Cláudia tinha 35 anos e já havia se casado com o atual marido, um homem sem filhos, 'mas que adora crianças'.

Ela tentou a fertilização in vitro, mas não teve sucesso. A fertilização é outra opção para que mulheres que ligaram as trompas engravidem, porque o óvulo é fecundado e colocado diretamente no útero.

Antes de dar à luz Christiano, Cláudia perdeu dois bebês, um com nove semanas e outro com oito meses. Mesmo bastante abalada, ela não desistiu. 'Sentimos um baque muito grande, mas sabia que Deus estava preparando algo para mim', diz. 'Foi um final felicíssimo.' A dedicação ao rebento é exclusiva: Cláudia, que era gerente administrativo de uma loja, largou o emprego para acompanhar de perto o desenvolvimento do filho.

Responsável pelas duas cirurgias, o médico Marco Aurélio Pinto de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Endoscopia Ginecológica e Endometriose, explica que a recanalização por videolaparoscopia é uma opção melhor do que a fertilização in vitro: custa a metade do preço (R$ 8 mil) e tem muito mais chance de sucesso (75%, ante 35% da fertilização).

SÃO PAULO

No município de São Paulo, o número de cirurgias de religamento de trompas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) triplicou de 2002, com 63 cirurgias, para 2003, com 215 procedimentos.

Segundo Julio Mayer, ginecologista e obstetra da Área Temática da Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde, o religamento é feito por meio da salpingoplastia - técnica para desobstrução da parte final da trompa . 'São dois tipos dessa cirurgia no SUS, mas a chance de sucesso é de 50%', esclarece.