Título: Espanha condena argentino dos vôos da morte a 640 anos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2005, Internacional, p. A13

O ex-oficial da Marinha Adolfo Scilingo foi considerado culpado por ter lançado 30 presos políticos ao mar Considerado culpado de envolvimento no assassinato de pelo menos 30 presos políticos durante o regime militar argentino (1976 a 1983), o ex-oficial da Marinha argentina, Adolfo Scilingo, de 58 anos, foi condenado ontem a 640 anos de prisão. Drogadas e nuas, as vítimas foram lançadas de aviões no Oceano Atlântico, nos chamados "vôos da morte". Scilingo integrava os quadros da Escola de Mecânica da Marinha (Esma), em Buenos Aires, na época transformada em centro de tortura de presos políticos. Ele ouviu o veredicto em completo silêncio e sem demonstrar a menor emoção, nem mesmo quando uma das pessoas que acompanhavam o julgamento no tribunal gritou: "Assassino, você vai apodrecer na cadeia."

Diante da sede do tribunal, dezenas de pessoas, na maioria parentes das vítimas da ditadura argentina, abraçavam-se e aplaudiam a decisão do tribunal espanhol. Uma delas chamou: "Companheiros desaparecidos!" E as demais responderam: "Presente."

Entre os que mais aplaudiram a sentença estava a argentina Estela Barnes de Carlotto, líder da associação das Avós da Praça de Maio. "O que sinto hoje é uma grande satisfação porque esta condenação que Scilingo vai cumprir numa cela comum e sem privilégios, ao contrário do que ocorre na Argentina, mostra que a Justiça espanhola funciona", reagiu. Estela disse esperar que Scilingo revele algum dia o paradeiro dos filhos dela (assassinados) e também dos netos, entregues a pessoas ligadas ao regime militar. "Estamos procurando por eles (os netos) há 27 anos e não queremos morrer sem abraçá-los."

Ela agradeceu depois ao juiz espanhol Baltasar Garzón, que abriu processos por crimes contra a humanidade, cometidos no Chile e na Argentina.

Scilingo pegou 21 anos e 3 meses de detenção para cada um dos 30 assassinatos. Os advogados dele disseram que vão apelar da sentença. Lembraram que Scilingo dirigiu-se a Madri de forma voluntária, como testemunha, para ajudar a Justiça espanhola a apurar as denúncias contra a ditadura argentina. Ali, depois das primeiras audiências, o ex-oficial da Marinha acabou sendo preso e indiciado por ordem do juiz Garzón.

"A sentença é um bálsamo para todas as organizações de direitos humanos, porque esta é a primeira vez que se condena um genocida com base no princípio da Justiça universal fora do país onde se cometeram os crimes", ressaltou o ator Juan Diego Botto, cujo pai desapareceu em 1997.