Título: Pesquisas com célula-tronco vão receber R$ 11 milhões
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2005, Vida&, p. A15

'Mais importante do que o valor é o recado de que o Brasil está aberto a essa linha de pesquisa', diz CNPq Os Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia devem lançar hoje um edital de R$ 11 milhões para financiamento de pesquisas com células-tronco. Pela primeira vez serão contemplados projetos com células-tronco de embriões humanos, cuja pesquisa só foi liberada a partir da aprovação da nova Lei de Biossegurança, no mês passado. Para cientistas e políticos que brigaram pela liberação, é o sinal definitivo de que uma nova fronteira se abre para a pesquisa brasileira. "Mais importante do que o valor em dinheiro é o recado de que o Brasil está aberto a essa linha de pesquisa", disse ao Estado o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Erney Camargo. O estudo das células-tronco embrionárias é considerado um dos campos mais promissores da biomedicina e muitos cientistas temiam que o Brasil ficaria para trás ao não autorizar esse tipo de pesquisa. "Se demorasse um pouco mais, perderíamos o bonde. Mas não perdemos. Estamos começando na hora certa", avalia Camargo, cujo órgão será responsável pelo edital.

Cada ministério dará metade do dinheiro e não haverá segmentação dos recursos. Todas as linhas de pesquisa envolvendo células-tronco - embrionárias, adultas ou de cordão umbilical - poderão ser contempladas, de acordo com o mérito de cada uma.

Além da abertura do edital, também será anunciada a criação de um grupo de trabalho científico e ministerial, cuja função será mapear a capacidade instalada no País para pesquisas com células-tronco embrionárias. O grupo deverá apresentar um relatório no prazo de 90 dias, quando vencerá também o prazo para participação no edital. O documento deverá identificar pontos fortes e fracos da pesquisa brasileira nessa área, apresentando diretrizes para a elaboração de um programa nacional de desenvolvimento do setor.

"O edital vai atender a uma demanda imediata, até que esse relatório esteja pronto. A partir daí, poderemos ter editais mais focados (nas células-tronco embrionárias)", disse ao Estado o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, um dos que mais batalharam pela liberação das pesquisas junto ao Congresso. "Acho que a vitória foi um reflexo do sentimento da sociedade, que deseja que essa pesquisa avance. É uma ação em defesa da ciência, da pesquisa e da vida."

Por enquanto, a capacidade instalada para trabalhar com células embrionárias no País permanece uma incógnita. Várias instituições de pesquisa pública e privada já têm projetos com células-tronco adultas, mas quase nada com células-tronco embrionárias. Umas das únicas iniciativas conhecidas é a da pesquisadora Lygia Pereira, da Universidade de São Paulo (USP), que no ano passado importou uma linhagem de células embrionárias dos Estados Unidos. "O que já aprendemos é que elas são muito difíceis de se cultivar, mais ainda do que as células-tronco embrionárias de camundongo", conta. "E o meio de cultivo é caríssimo, por isso é importante evitar o desperdício."

As células-tronco embrionárias são células em estágio ainda indiferenciado, presentes no embrião humano, com potencial para se transformar em praticamente qualquer tipo de tecido do organismo. Sua pesquisa é polêmica porque exige a destruição dos embriões, considerados por muitos como uma forma de vida. A nova Lei de Biossegurança autoriza o uso apenas de embriões produzidos por fertilização in vitro, que estejam congelados há mais de três anos e sejam doados para pesquisa pelos pais.

O número de embriões disponíveis ainda não está definido. Um levantamento recente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida com 15 grandes clínicas do País chegou ao número de 3.210 embriões - dos quais menos de 10% poderiam originar, efetivamente, uma linhagem de células-tronco, segundo o especialista Edson Borges. "É muito importante que as pesquisas sejam bem direcionadas para que não haja desperdício", disse a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP