Título: Remessa de lucros é a maior desde de 98
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2005, Economia, p. B3

Empresas e bancos estrangeiros enviaram US$ 1,4 bilhão para as matrizes em fevereiro; superávit cai para US$ 117 milhões RASÍLIA-Com a valorização do real, muitas empresas estrangeiras que operam no Brasil anteciparam a remessa dos lucros obtidos em 2004 para as matrizes. O saldo dessas operações atingiu US$ 1,4 bilhão no mês passado, o maior valor desde o US$ 1,8 bilhão de setembro de 1998. Bancos e indústrias de alimentos e de bebidas remeteram 33% do total. O envio desses dólares para fora do País teve impacto direto no saldo das contas externas do Brasil, que contabiliza receitas e despesas dos negócios entre residentes no País e no exterior, como exportações, importações, pagamento de juros e viagens.

Enquanto o Banco Central (BC) projetava para a conta de transações correntes um superávit de US$ 500 milhões em fevereiro e o mercado financeiro esperava perto de US$ 700 milhões, o resultado ficou positivo em apenas US$ 117 milhões. Em 12 meses, as transações correntes apresentaram superávit de US$ 11,7 bilhões, equivalente a 1,92% do Produto Interno Bruto (PIB).

Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, a piora em fevereiro não significa uma tendência das contas externas, que vêm apresentando sucessivos superávits. "Em março, as remessas de lucros e dividendos deverão cair para cerca de US$ 350 milhões", afirmou, explicando que até ontem somavam US$ 311 milhões.

A maior concentração de saída de recursos ocorre no primeiro trimestre, logo que as empresas apuram o lucro do ano anterior. Como o real estava valorizado, no início do ano, elas aceleraram esse processo para comprar mais moeda estrangeira.

Também pesou nesse resultado o fato de 2004 ter sido um ano de retomada da atividade econômica e de maior lucratividade para o setor produtivo e financeiro. Em fevereiro de 2004, as remessas de lucros foram de apenas US$ 585 milhões e chegaram a US$ 938 milhões em março.

"A cotação do dólar provavelmente ajudou, mas isso é uma questão de gestão empresarial", explica Lopes, ressaltando que, como as remessas já foram antecipadas, neste mês a saída de dólares será menor.

As remessas estão relacionadas aos investimentos estrangeiros, que tiveram um boom no fim dos anos 90, em razão das privatizações. Vários grupos se instalaram no País e, com a maturação dos investimentos e o crescimento econômico, a tendência é que o envio de recursos aumente. A projeção do BC para este ano é de remessas de US$ 7,8 bilhões, quase 7% mais que em 2004.

Como as exportações brasileiras também estão fortes, ajudam a compensar esses gastos e a reduzir o impacto nas transações correntes. O BC revisou a estimativa de vendas externas em 2005, de US$ 100 bilhões para US$ 105 bilhões. Como as importações também cresceram, a projeção de US$ 75 bilhões foi elevada para US$ 78 bilhões. O saldo do comércio internacional do País em 2005 deverá ser de US$ 27 bilhões positivos. No início do ano, o BC calculava US$ 25 bilhões.

Outro dado que surpreendeu foi o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (IED). Fevereiro costuma ser um mês fraco para essas operações, mas encerrou com entrada de US$ 869 milhões. Para Lopes, a tendência de recuperação do IED vem se confirmando. Tanto que revisou de US$ 14 bilhões para US$ 16 bilhões o saldo previsto para 2005.

FRAQUEZA

Apesar do ajuste nas contas externas, o Brasil ainda é uma das economias mais vulneráveis a choques internacionais entre os principais países da América Latina. De 2002 para 2004, a relação entre gastos com juros e encargos financeiros da dívida externa e as exportações caiu de 82,7% para 53,8%, menor nível desde 1976.

Esse indicador, que mede a capacidade de uma economia cumprir seus pagamentos externos no curto prazo e mostra que as despesas com juros equivalem a mais da metade do total obtido com exportações, é o pior entre os nove países mais desenvolvidos da região, segundo o diretor de Pesquisa de Investimento do Banco WestLB, Ricardo Amorim. v