Título: Mais uma reunião da UE e Mercosul perdida
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2005, Economia, p. B6

Negociadores não conseguem nem achar um ponto de partida

O Brasil está disposto a propor uma maior liberalização do setor de serviços, investimentos e bens industriais, incluindo o automotivo, se a Europa apresentar uma nova oferta de abertura que signifique incremento real das exportações do Mercosul no setor agrícola. A informação é do embaixador Régis Arslanian, que comanda a delegação brasileira nas negociações com a União Européia (UE), retomadas ontem em Bruxelas. Mas o primeiro dia de negociações não foi usado para tratar de eventuais movimentações nas ofertas de abertura entre os blocos. Os diplomatas não conseguiram encontrar um ponto de partida. "Todos os impasses persistem", disse o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, Mario Mugnaini. O Mercosul aceita debater a revisão da abertura de seu mercado aos europeus, para concluir um acordo comercial. Mas quer que cinco princípios sejam aceitos para garantir benefícios nessas novas ofertas. Um desses princípios refere-se ao tratamento diferenciado para países com menor desenvolvimento. Na prática, significaria que os europeus deveriam dar maior acesso aos produtos do Mercosul e não exigir o mesmo grau de abertura em setores sensíveis desses mercados, como bens industriais ou serviços financeiros. "A UE está pedindo demais para o que nos ofereceu. A negociação está desequilibrada", afirmou um negociador argentino.

O objetivo do Mercosul e da UE era concluir uma negociação até o fim de outubro passado. Arslanian afirma que o Brasil estava disposto a ampliar o acesso de veículos europeus ao País. Segundo ele, no início de outubro, o Mercosul foi à reunião ministerial de Lisboa preparado para fazer concessões, que não teriam sido aceitas pela UE. "A esperança era de que os europeus concordassem e fizessem uma nova oferta agrícola."

O Mercosul estava pronto para rever sua proposta, que consistia em queda das tarifas de importação no setor automotivo em 18 anos e cota de importação livre de taxas para 25 mil carros aos europeus. Para a reunião de Lisboa, cogitou-se no aumento da cota para 45 mil carros e redução do período de desgravacão tarifária. Para a UE, a suposta nova oferta seria o retorno a propostas anteriores.

O Itamaraty garante que está trabalhando para apresentar novas ofertas em serviços financeiros e na proteção de indicações geográficas de produtos europeus. "Mas precisamos ter uma contrapartida no setor agrícola", diz Arslanian.

MINISTROS

O Mercosul quer ter essas ofertas preparadas caso os ministros dos dois blocos cheguem a um acordo sobre o relançamento das negociações em abril. O problema é que, pela reunião de ontem, os representantes dos governos estão longe de um consenso sobre como retomar a negociação.

Em um diálogo quase esquizofrênico, o Mercosul passou mais de três horas insistindo que parâmetros e princípios deveriam ser acertados antes de uma troca de oferta. O bloco defende que não haja condicionalidades no acordo e que ele gere um aumento das exportações. A UE quer que a negociação seja retomada com as melhores ofertas já feitas pelos blocos. Segundo o subsecretário de Comércio da chancelaria argentina, Eduardo Sigal, não se pode recomeçar a negociação com concepções já usadas e que fracassaram.

Apesar da relutância dos europeus, o Mercosul apresentou seus parâmetros e espera uma resposta para hoje, último dia das negociações. Bruxelas nem levou sua lista de princípios. "Não temos nem um ponto de partida nem um calendário para as negociações", disse um representante europeu.