Título: A reforma da ONU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Notas e Informações, p. A3

As propostas de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentadas esta semana pelo secretário-geral Kofi Annan, não poderiam ser mais favoráveis aos interesses da diplomacia brasileira, que tem centrado sua atuação política na modificação da composição do Conselho de Segurança, do qual o Brasil quer ser membro permanente. Encarregado pela Assembléia Geral de preparar a conferência de cúpula que avaliará os progressos feitos nas áreas de desenvolvimento, segurança e direitos humanos desde a aprovação da Declaração do Milênio das Nações Unidas, Kofi Annan produziu um documento de 60 páginas, nas quais recomenda apenas as medidas que, a seu ver, têm condições de ser aprovadas até setembro, quando os chefes de governo e de Estado dos países membros se reunirão em Nova York. Fez, assim, o que chamou de "agenda de alta prioridade", concentrando-se em reformas destinadas a dar maior efetividade e transparência ao trabalho da organização multilateral. No documento que serviu de base para o relatório de Kofi Annan, apresentado em novembro do ano passado por uma comissão de alto nível, haviam sido destacados, com ênfase, os riscos para a segurança coletiva, representados pelo uso da força unilateral e preventivo, numa clara alusão à política norte-americana em relação ao Iraque, cuja invasão não contou com o apoio da ONU. Agora, em seu relatório, o secretário-geral faz a mesma advertência em linguagem diplomática. Em termos mais firmes, ele ressalta a importância dos Estados soberanos como peças fundamentais do sistema internacional - ao contrário de uma corrente de opinião que nos últimos anos vem sustentando que os Estados nacionais estão perdendo vigor e relevância. "Se os Estados são frágeis, os povos do mundo não poderão desfrutar da segurança, do desenvolvimento e da justiça a que têm direito", afirmou. Mas nenhum Estado, por mais poderoso que seja, pode se proteger ou prosperar sozinho, todos eles dependendo de mútuos compromissos, ou seja, da cooperação multilateral.

Nesse sentido, reitera que o Conselho de Segurança é a autoridade que endossa ou autoriza o uso da força, sempre que a segurança de um país ou a do sistema internacional estiver ameaçada. Mas a atuação do Conselho nem sempre tem sido efetiva. Por isso, recomendou que o Conselho de Segurança adote uma resolução, definindo princípios e diretrizes que norteiem a decisão coletiva, sempre que for o caso de emprego de força militar.

Kofi Annan reconhece que a maioria dos países membros da ONU, há tempos, reclama uma mudança na composição do Conselho de Segurança que dê maior representatividade à comunidade internacional. E recomenda que seja ampliada a participação nos processos de decisão dos países que mais contribuem para as Nações Unidas, em termos de participação nos orçamentos da organização, de participação em operações de paz e de atividades voluntárias nas áreas de segurança e desenvolvimento, no âmbito da ONU.

Finalmente, propõe dois modelos para a ampliação do Conselho de Segurança, de 15 para 24 membros. Pelo primeiro, seriam criados seis novos assentos permanentes, sem direito a veto, e três assentos com mandato de dois anos. Pelo segundo, haveria mais 8 membros com mandato renovável de quatro anos e 1 membro com mandato não renovável de dois anos.

Kofi Annan pede à Assembléia Geral que tome uma decisão a respeito do Conselho de Segurança antes da reunião de cúpula de setembro, ou por consenso, ou por voto.

Para o Brasil, Alemanha, Índia e Japão, que formam o G-4, interessa a adoção do primeiro modelo, pois aspiram a ser membros permanentes do Conselho. O início do processo de reforma e o ritmo que lhe imprimiu o secretário-geral, no entanto, não são garantias de que essa meta da política externa brasileira será atingida. O Itamaraty vem, desde o início do governo Lula, angariando apoio internacional para sua pretensão. Mas não conseguiu vencer as resistências da Argentina e do México, que não desejam ceder proeminência ao Brasil. Além disso, é preciso considerar a posição da Casa Branca. Não foi à toa que, uma semana antes da divulgação do relatório Kofi Annan, o presidente Bush nomeou John Bolton embaixador junto às Nações Unidas. Ele é um ferrenho defensor do unilateralismo e sua nomeação indica que o governo americano não está disposto a permitir qualquer divisão de poder na ONU. Ou seja, a reforma pode não acontecer.