Título: 'Não podemos responsabilizar ninguém, a não ser o próprio PT', diz Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Nacional, p. A4

Em reunião ministerial, presidente critica racha, diz que nunca vai abdicar de suas funções e explica por que não houve reforma

BRASÍLIA - Na primeira reunião ministerial deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou ontem a divisão do PT pela derrota do governo na Câmara, que acabou criando o "efeito" Severino e atrapalhou a reforma ministerial. "Reforma agora só se for agrária e da Previdência", disse. Numa crítica ao PT, que subestimou o poder do baixo clero no Congresso, Lula comparou a insatisfação dos parlamentares à "revolta dos bagrinhos". Foi uma referência ao racha do PT em 1993, quando ele comandava o partido e os radicais venceram a disputa interna, ditando os rumos de sua fracassada campanha de 1994. "O ano de 2005 começou com uma grande derrota política na Câmara, mas não podemos culpar os aliados. Não podemos responsabilizar ninguém pelo que aconteceu, a não ser o próprio PT", afirmou o presidente, ao convocar todos os ministros para um mutirão em prol da articulação política do governo no Congresso.

Lula aproveitou a reunião para apresentar os novos titulares da Previdência, Romero Jucá, e do Planejamento, Paulo Bernardo, e repetiu que a reforma ministerial está encerrada. Explicou que decidiu suspender as conversas porque não poderia admitir o ultimato do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), exigindo a nomeação do deputado Ciro Nogueira (PP-PI) para Comunicações.

"Eu fui eleito presidente da República, não ele. Nunca vou abdicar nem partilhar funções. Essa responsabilidade é minha", afirmou Lula no encontro a portas fechadas, de acordo com relato de ministros. O presidente falou de improviso por 30 minutos. Considerou "pouco usual" o tom usado por Severino, que ameaçou passar para a oposição e apoiar o PFL. "Por isso tive de tomar a decisão de encerrar a reforma. Se algum companheiro não foi avisado, que me compreenda: muitas vezes a situação impõe que se tome uma decisão sem comunicar ninguém", justificou.

Numa demonstração de apreço ao ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo - alvo do bombardeio petista durante toda a novela da reforma -, Lula pediu a ele que começasse a marcar reuniões com todos os partidos aliados. Ontem, por exemplo, foi a vez do encontro do presidente com a cúpula do PTB. Lula avalia que as dificuldades enfrentadas até agora pelo Planalto revelam a necessidade de adotar um novo rumo, recompondo sua base parlamentar de apoio por meio do fortalecimento dos líderes partidários. A dúvida é como fazer isso.

OTAN

Foi neste momento que ele citou a "revolta dos bagrinhos" na Câmara, que culminou com a eleição de Severino, em fevereiro. Lembrou que o mesmo processo aconteceu quando presidia o PT, em 1993. "Naquela época, fomos derrotados e perdemos a maioria no partido", disse, ao recordar que seu grupo, integrado também pelo atual chefe da Casa Civil, José Dirceu, era chamado de Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) pelos radicais. "Só que depois nós voltamos com mais força ainda. Isso faz parte do processo político", observou.

Lula disse que o governo pretende reforçar o diálogo com bancadas e dirigentes dos partidos no Congresso. Argumentou que Severino se engana quando diz que, por ter obtido 300 votos na eleição para o comando da Câmara, conta com o aval de 300 deputados.

"As coisas não são simples assim", ponderou o presidente, ao destacar a importância da aproximação do governo com os líderes partidários, fragilizados nos últimos embates no Congresso. "Agora, nossa tarefa é o empenho na articulação política", insistiu, depois de condenar o racha no partido, que lançou o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) à presidência da Câmara, mas não conseguiu conter a dissidência da candidatura de Virgílio Guimarães (MG). "Vamos tocar a vida."