Título: Nome tem tradição de diplomacia, conciliação
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2005, Especial, p. H2

Bento XV, como agora Bento XVI, assumiu depois de papado longo Benedictum, ou Bento XVI em português. O novo chefe da Igreja Católica resgatou o nome usado pelo "papa da 1.ª Guerra Mundial", conflito que ocorreu entre 1914 e 1918. Bento XV foi o nome escolhido pelo italiano Giacomo della Chiesa, papa entre 1914 e 1922. Sua natureza diplomática foi essencial para a época. Nasceu em 1854 em Gênova, filho de pais nobres. A família de sua mãe, a marquesa de Migliorati, já havia dado um papa ao mundo: Inocêncio VII (1404-1406).

Três anos depois de se doutorar em Direito, em 1878, foi ordenado e trabalhou em seguida no serviço diplomático do Vaticano. O papa Pio X, que liderava a Igreja desde 1903, elevou Della Chiesa a cardeal em maio de 1914, poucos meses antes de morrer. Em setembro do mesmo ano, quando os conflitos na Europa já estavam deflagrados, o italiano de Gênova foi escolhido para o cargo.

Logo após a coroação, ele foi acusado de apoiar os impérios centrais da Europa - em especial a Áustria-Hungria, uma das bases da Igreja na época, que formava a Tríplice Aliança com Itália e Alemanha, em oposição à Tríplice Entente, aliança entre Grã-Bretanha, Rússia e França.

Uma resposta rápida foi dada em sua primeira encíclica, Ad Beatissimi Apostolorum, de 1914: era um apelo - infrutífero - pela paz, mas mostrou que a Igreja manteria uma posição neutra. Seu posicionamento foi testado e debatido diversas vezes na guerra, especialmente quando os alemães ameaçaram Paris e a Itália estava em vias de ser invadida. Ambos os lados o acusavam de apoiar o inimigo ou de indiferença.

Em 1917, Bento XV apresentou uma proposta de mediação para as partes, que foi recebida sem entusiasmo. Apesar da neutralidade política, o papa foi enérgico ao pedir um tratamento justo para todos prisioneiros de guerra e o cuidado de suas vítimas. Criou um departamento para cuidar dos interesses de prisioneiros de guerra, facilitando a comunicação com seus familiares, porém o órgão foi fechado após os países levantarem dúvidas sobre sua idoneidade. O papa também conseguiu que houvesse uma trégua durante o Natal de 1914: na ocasião, inimigos se confraternizaram e trocaram presentes - em geral bebidas e cigarros - nas trincheiras geladas e cheias de lama, mas os combatentes também aproveitaram a chance de conhecer o lado inimigo e montar estratégias de combate.

A posição neutra teve seu preço histórico: Bento XV foi mantido fora das negociações de paz e do Tratado de Versalhes, de 1919, que finalizou formalmente a guerra, apesar de pedir a participação.

Com sua visão diplomática, realizou uma reforma administrativa para adequar a Santa Sé à nova configuração mundial: o número de representações diplomáticas no Estado pulou de 14, em 1914, para 24, em 1922.

Pavimentando a futura independência do Vaticano, a Cúria romana apoiou a criação do Partido Popular Italiano, que mais tarde apoiou o reconhecimento de sua autonomia em 1929. Em 1917, Bento XV promulgou o Código de Direito Canônico.

O italiano canonizou a mártir francesa Joana D'Arc, que ajudou a unir a França no século 15. A santa foi queimada pela Igreja, acusada de feitiçaria, e sua santificação foi uma maneira de retomar o diálogo com o país, estremecido por causa da guerra mundial.

Bento XV morreu em janeiro de 1922, com 67 anos, em conseqüência de complicações causadas por uma bronquite.

Segundo d. Odilo Scherer, bispo auxiliar de São Paulo, Joseph Ratzinger tem semelhanças com o último Bento "ao receber a Igreja em um momento de turbulências". Scherer também diz que, "tanto Bento XV como agora Bento XVI assumiram o posto do papa depois de longos papados".