Título: Viva il papa! Benedetto, Benedetto!
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2005, Especial, p. H2

Assim reagiu a multidão na Praça de São Pedro ao anúncio do novo papa. Eufóricas, as pessoas repetiam, em italiano, o nome Bento CIDADE DO VATICANO-Que toquem os sinos! Foram 15 minutos de incerteza e angústia até que os sinos da Basílica de São Pedro dobrassem para confirmar a eleição do novo papa. Das 17h50 às 18h05, tarde nublada e de chuvisco em Roma, a fumaça da chaminé da Capela Sistina confundiu a multidão, mais de 50 mil pessoas na praça naquele momento. Não era uma fumaça nem branca nem preta, mas de um cinza claro nada confiável, variando de tonalidade a cada instante. De repente, os sinos começaram a balançar no campanário, um grande e dois pequenos, a prova de que a Igreja Católica já tinha um sucessor para João Paulo II. "Quem será?" - a pergunta paralisava peregrinos e turistas, todos os olhos voltados para a janela central da basílica.

"Anuntio vobis gaudium magnum: habemus papam!", comunicou solenemente em latim o chileno Jorge Arturo Medina Estevez, o cardeal-diácono mais antigo. "Anuncio-vos uma grande alegria: temos papa - o eminentíssimo e reverendíssimo Joseph, cardeal da Santa Igreja Romana Ratzinger, que se deu o nome de Bento XVI", dizia a íntegra do comunicado.

Suspense, alguns segundos de silêncio, aplausos na praça. Ratzinger era nome conhecido, figura de destaque no pontificado de João Paulo II, um dos papabili mais citados nas especulações das últimas semanas. Mas a eleição do ex-prefeito da Congregação da Doutrina da Fé e decano do Colégio de Cardeais, de 78 anos, parecia, assim mesmo, pegar todo mundo de surpresa. Eram 18h40.

"Viva il papa!", gritou em coro, em italiano, um grupo de padres de diversas nacionalidades que fazem curso de especialização em Roma. "Benedetto, Benedetto", ecoou uma voz, com mais força, improvisando com o nome escolhido pelo novo papa uma saudação que era, ao mesmo tempo, de boas-vindas e de bênção. Benedetto, bendito.

Cinco minutos depois, o alemão Joseph Ratzinger, que entrou como favorito no conclave e agora era Bento XVI (leia seu perfil nas páginas H6 e H7), apareceu no pórtico da Basílica de São Pedro, a janela central da fachada. Chegou já vestido com a batina branca que os papas usam desde Pio V, cinco séculos atrás.

APLAUSOS

"Caríssimos irmãos e irmãs: depois do grande papa João Paulo II, os senhores cardeais me elegeram, a mim, um simples colaborador na vinha do Senhor. Consola-me (o fato de) o Senhor saber trabalhar com instrumentos insuficientes. Recomendo-me às suas orações", disse Bento XVI, em italiano, quase sem sotaque alemão, acrescentando que contava também com a proteção de Maria Santíssima.

Em seguida, a primeira bênção Urbi et Orbi - à cidade, Roma, e ao mundo. O povo aplaudiu. A Guarda Suíça prestou continência, ao som de uma banda marcial, todos em uniformes de gala. Ratzinger passou alguns minutos olhando a multidão, o rosto se voltando para um lado e para outro, antes de se retirar.

Quando o papa saiu, um grupo de peregrinos da cidade polonesa de Czestochowa começou a cantar A Barca, a canção religiosa preferida de seu conterrâneo Karol Wojtyla. Era uma homenagem, informou o líder do grupo, para dizer que o pontificado de João Paulo II teria continuidade.

Os cardeais, que já haviam prestado obediência ao novo papa e agora estavam ali, nas janelas laterais, assistindo ao primeiro contato de Bento XVI com o povo de sua diocese - pois o papa é também o bispo de Roma -, voltaram para o conclave. A reunião só terminará oficialmente hoje, com a concelebração de uma missa na Capela Sistina.

Depois virá a cerimônia de posse - oficialmente coroação ou entronização - do novo papa, prevista para domingo. Na primeira oportunidade, como determina a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, que rege a eleição do papa, Bento XVI assumirá a Basílica de São João de Latrão, que é a catedral de Roma.

Nos próximos dias, serão nomeados os prefeitos das congregações da Cúria Romana, cujos titulares deixaram automaticamente o cargo com a morte de João Paulo II. Cotado entre os candidatos a papa até o início do conclave, o cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, agora está na lista dos prováveis colaboradores diretos.

"Se não for para a Doutrina da Fé, será para outra secretaria importante", informou na semana passada um dos bispos auxiliares do cardeal em São Paulo. Seu argumento para reforçar essa hipótese é que, já por muitos anos, o Brasil tem tido um representante no Vaticano - d. Agnelo Rossi foi prefeito da Congregação para Evangelização dos Povos e d. Lucas Moreira Neves dirigiu a Congregação para os Bispos.