Título: O desafio pós-FMI
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Notas e Informações, p. A3

Termina o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas não o compromisso com a seriedade financeira, prometeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ao anunciarem que o programa negociado com a instituição não será renovado a partir de 1.º de abril. Com essa decisão o governo quis demonstrar sua confiança no vigor da economia brasileira e, acima de tudo, na sua própria capacidade de manter as linhas fundamentais da política econômica. A decisão foi apoiada publicamente pela diretoria do FMI, elogiada pelo secretário do Tesouro americano, John Snow, e aplaudida quase sem ressalvas por empresários, sindicalistas, operadores do mercado financeiro e analistas da economia. Foi uma decisão difícil, adiada até o último instante e não sem riscos, apesar da melhora de vários indicadores importantes da economia brasileira.

A cena internacional é bem menos favorável que no ano passado, com maiores pressões inflacionárias, juros em alta nos Estados Unidos e maior incerteza quanto ao crescimento da economia global. Por isso, não há dúvida alguma de que seria muito mais cômodo para o governo manter o aval do FMI. Mas, apesar disso, o governo resolveu dispensá-lo e enfrentar os mercados com as próprias forças e com a credibilidade acumulada em dois anos de resultados satisfatórios, "geralmente além das expectativas", como disse o diretor-gerente do Fundo, Rodrigo de Rato.

O governo dispõe de pelo menos dois argumentos ponderáveis a favor da sua resolução. O Brasil mantém neste ano um sólido superávit comercial, as transações correntes continuam positivas e o mercado financeiro é receptivo, de novo, tanto ao governo quanto ao setor privado. Com a inflação em nível tolerável e a continuação do ajuste das contas públicas, o País, tecnicamente, não precisa do apoio do FMI.

O segundo argumento envolve fatores menos tangíveis. Com base no desempenho conhecido até agora, o governo, dizem alguns, poderá reforçar sua credibilidade se mostrar segurança bastante para caminhar por seus meios. Em algum momento o Brasil teria de estar maduro para enfrentar o mundo sem auxílio do Fundo e o governo julgou que esta é uma boa ocasião para isso, visto que sempre haverá algum risco no cenário externo.

Ao optar pela não renovação do acordo, no entanto, o governo assume um par de riscos importantes. O mais evidente, assinalado por alguns analistas, é o de ter de buscar, novamente, o auxílio do FMI, se as condições internacionais se tornarem muito perigosas. O ministro da Fazenda tem a garantia de que os dirigentes do FMI atenderão rapidamente um pedido de auxílio do Brasil, se for necessário.

Por não afastar essa hipótese, o governo brasileiro tem defendido a criação de um mecanismo de apoio preventivo, que a instituição possa oferecer sem muita exigência a países com políticas comprovadamente sérias. Esse tema permanece em discussão. Nas condições atuais, é difícil prever qual será o custo para o Brasil, em termos de imagem, se o governo tiver de recorrer novamente, em pouco tempo, ao apoio do FMI.

O outro risco é interno. Este governo, como o anterior, sempre assumiu a responsabilidade pelas metas acordadas com o Fundo. Apesar disso, o acordo tem funcionado como um anteparo político: o compromisso é um dado e isso ajuda a neutralizar pressões por uma política mais frouxa.

Agora o governo perde esse anteparo. Fica mais exposto a cobranças de políticas permissivas, que poderão partir tanto de grupos de esquerda quanto de setores empresariais ansiosos por uma política menos severa. Quanto aos grupos de esquerda, o governo espera que arrefeçam suas cobranças com o fim do acordo com o FMI. Quanto aos setores empresariais, é no mínimo ambíguo, para citar só um exemplo, o comentário do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a respeito do que poderá ser o receituário econômico pós-FMI.

Segundo o presidente da Fiesp, o Brasil acaba de receber uma alta, depois de um duro tratamento hospitalar. Mas é preciso tomar cuidado com avaliações desse tipo. O País tem ainda um duro ajuste pela frente e uma pauta de reformas que o governo não poderá simplesmente abandonar. A partir de agora, o presidente Lula tem de assumir como suas, mais claramente do que nunca, as políticas indispensáveis ao fortalecimento da economia nacional. Será capaz de fazê-lo e ao mesmo tempo negociar os apoios necessários à campanha de reeleição que já começou? Será esse o maior teste pós-FMI.