Título: Medidas paliativas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Notas e Informações, p. A3

No poder há dois anos e meio, o atual governo acaba de descobrir que o déficit da Previdência ¿ que há mais de uma década consome parte substancial da poupança nacional ¿ é enorme, compromete as contas públicas e, se continuar nesse ritmo de crescimento, o sistema de proteção social se tornará rapidamente inviável. Feita essa descoberta, seguramente associada a outra, de maior porte e igual importância ¿ a de que o governo fará de 2005 o "ano da eficiência", pois parece que não ocorrera à elite governamental do PT que a eficiência, ao lado da austeridade, é o primeiro dever de qualquer administração ¿, aproveitou-se a posse do novo ministro da Previdência, Romero Jucá, para anunciar a meta de redução do déficit do INSS em 40%, em dois anos. Em 2005, o governo pretende reduzir o déficit projetado em R$ 37,8 bilhões em R$ 5,8 bilhões; em 2006, o déficit estimado em R$ 38 bilhões deverá sofrer uma redução de R$ 14 bilhões. A fórmula do tal "choque de eficiência" não é nova. Combina promessas de severo cerco aos devedores e combate implacável aos sonegadores com restrição de benefícios, desta vez tendo como alvo o auxílio-doença. Medidas assim já foram tentadas em governos anteriores, sem os resultados espetaculares agora esperados.

À primeira vista, o plano tem tudo para dar certo. O INSS tem a receber R$ 80,5 bilhões de dívida consolidada, isto é, que já não pode ser discutida na Justiça pelos devedores. Por sua vez, de 2001 a 2004, os benefícios do auxílio-doença triplicaram em valor, passando de pouco mais de R$ 2,5 bilhões anuais para R$ 9 bilhões anuais ¿ o que indica a existência de algo muito errado na concessão do benefício. Dessa perspectiva, a redução do déficit seria facílima, bastando cobrar os inadimplentes e combater as fraudes. As administrações que tentaram essa saída logo constataram que os números são enganosos.

A imensa maioria dos devedores que constam da lista consolidada não tem condições financeiras de liquidar o débito. Ou faliram ou estão em estado de animação suspensa. Veja-se a lista dos 15 maiores devedores da Previdência. A ninguém é lícito esperar que, por exemplo, a Transbrasil, pague R$ 449 milhões, ou que a Encol recolha R$ 327 milhões.

A recém-criada Secretaria da Receita Previdenciária não fará milagres. Quando muito, poderá melhorar um pouco o desempenho tradicional da Previdência, que considera efetivamente recebíveis cerca de 20% dos débitos que anualmente são registrados na dívida ativa em favor do INSS, mas que perde a esperança de receber esses valores dois anos depois. Afinal, as empresas, quando chegam a esse ponto, tendo agido com ou sem dolo, já não têm condições de saldar seus compromissos previdenciários.

É preciso, sim, cobrar os devedores e levar os empresários que agiram fraudulentamente à Justiça. Mas, antes de mais nada, é preciso montar um esquema de fiscalização e cobrança que impeça que as dívidas se avolumem, desestimulando, de imediato, as empresas que transformam o dinheiro que deveria ser recolhido à Previdência em capital de giro.

A prodigiosa multiplicação do auxílio-doença também não se corrigirá apenas com as restrições à concessão do benefício anunciadas pelo governo. O escândalo das prolongadas licenças por motivo de saúde obtidas por funcionários da Febem, revelado recentemente, dá bem a medida do que vem ocorrendo. Feita a primeira perícia médica, sem a qual não se concede o benefício, esquecia-se o assunto. Houve casos de licenças prorrogadas por mais de dois anos, de funcionários tão aptos para o serviço que até trabalhavam em outras atividades.

Há falta de peritos e fiscais e a terceirização desses serviços foi feita sem a necessária supervisão. Por outro lado, ao aumento da idade média dos segurados do INSS corresponde, naturalmente, um aumento da procura pelo auxílio-saúde. O que o governo não pode é simplesmente jogar sobre os ombros dos contribuintes a sua incapacidade de fiscalizar o serviço.

As medidas anunciadas pelo novo ministro da Previdência são paliativas e dificilmente produzirão os resultados esperados. O problema da Previdência não se resume no combate à inadimplência e à fraude. Ele é basicamente estrutural. Metade da população economicamente ativa está na informalidade, não porque queira, mas porque foi jogada nessa situação pelas novas realidades do mercado de trabalho. Se não reconhecer isso, e não fizer a reforma trabalhista, a base de contribuintes da Previdência continuará pequena, enquanto as despesas crescerão.