Título: Rumsfeld contra os 100 mil fuzis de Chávez
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2005, Nacional, p. A8

Secretário de Defesa dos EUA disse estar preocupado com a compra de 100 mil fuzis russos pela Venezuela, país que Lula visita em 6 dias

BRASÍLIA - O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, deixou ontem em Brasília o primeiro alerta público de uma autoridade norte-americana contra o projeto da Venezuela de reaparelhamento de suas forças armadas. Em entrevista à imprensa, Rumsfeld acentuou sua preocupação com a compra de 100 mil fuzis russos AK-47 pela Venezuela e apresentou dúvidas sobre o uso e o destino desse armamento - em uma indicação do temor de Washington de que as armas acabem em mãos das Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de outros grupos terroristas. A mesma inquietação havia sido reiterada minutos antes no encontro reservado entre o principal falcão do presidente George W. Bush e o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar. "Estou preocupado com a compra de 100 mil fuzis AK-47 pela Venezuela. Não posso imaginar o que vai acontecer com esses fuzis. Por que a Venezuela precisa deles?", declarou o secretário de Defesa. "Não vejo como isso pode contribuir com a estabilidade no Hemisfério", completou.

O recado foi lançado em direção certeira. Surgiu justamente a seis dias de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar em Ciudad Guayana, na Venezuela, onde deverá testemunhar a "paz" selada entre Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. Outra testemunha deverá ser o presidente da Espanha, José Luís Rodríguez Zapatero. No mês passado, Lula havia assinado com Chávez uma "aliança estratégica", centrada nas áreas energética e de mineração, que será estendida também à Colômbia.

O governo Bush considera que o Brasil e, particularmente, o presidente Lula tornaram-se uma espécie de força moderadora dos impulsos da Venezuela de Hugo Chávez. Nos últimos meses, Chávez assumiu um discurso cada vez mais agressivo em relação aos Estados Unidos, na medida que Washington foi disparando suas reações contra as compras de armas por Caracas. O presidente da Venezuela acusou publicamente o governo norte-americano de montar um plano para assassiná-lo e chegou a levantar suspeitas de uma invasão de seu país por tropas dos Estados Unidos. Washington, por sua vez, criticou a "estratégia de hiena" de Chávez na região e sua influência nociva na recente crise na Bolívia.

Rumsfeld aproveitou o contato com Alencar para reforçar o apreço do governo Bush com a liderança do Brasil das Forças de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) e seu agradecimento. Destacou ainda que a iniciativa brasileira refletiu a liderança do País na região, mas esquivou-se de transformar esse crédito em apoio concreto dos EUA ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente.

"O Departamento de Defesa não tem papel na definição desse apoio. Essa é uma questão para o presidente (Bush) e para a secretária de Estado (Condoleezza Rice)", declarou.

Em sua passagem de cerca de 20 horas por Brasília, Rumsfeld sugeriu a assinatura de um acordo geral de cooperação na área de Defesa entre os EUA e o Brasil, assim como os que o País firmou com a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia. Mas teve o cuidado de não vincular essa proposta à intenção dos EUA de conseguir maior apoio do Brasil na luta contra o narcotráfico, o crime organizado e o terrorismo. O governo brasileiro não lhe deu resposta sobre acordo.

Logo depois de seu encontro com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, ele embarcou para Manaus, onde visitou a sede do Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (Sivam).