Título: Contágio por via oral é pior do que o por picada
Autor: Kazuo Inoue
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Vida, p. A13

RIO - A gravidade do surto de doença de Chagas ocorrido em Santa Catarina pode ser explicada pela forma de contaminação das vítimas, que teriam ingerido caldo de cana contaminado com fezes ou pedaços de insetos. Estudo do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, mostrou que o contágio por via oral resulta em quadros mais graves do que aqueles em que a transmissão se dá pela picada do barbeiro. Isso porque, nesses casos, a quantidade de protozoários Trypanosoma cruzi (causador da doença) no organismo é muito maior do que a injetada quando da picada, forma tradicional de contaminação. Surto semelhante ao de Santa Catarina ocorreu em 1986 em Catolé do Rocha (PB).

Na ocasião, o Trypanosoma foi passado a convidados de uma festa de casamento onde havia sido servido caldo de cana preparado numa máquina que estava num espaço coberto com palha infestada de barbeiros. Os insetos foram triturados e se misturaram ao líquido. Em 2001, houve nova ocorrência, dessa vez no Pará. Barbeiros contaminaram grande quantidade de suco de açaí, o que gerou microepidemias da doença de Chagas no Estado.

Publicada em 2002, a pesquisa da Fiocruz, coordenada pela patologista Sônia Gumes Andrade, confirmou que o Trypanosoma pode estar presente em legumes e verduras, suspeita antiga dos pesquisadores. Plantações sujas com urina ou secreções de bichos como gambás seriam possíveis focos dele.

Durante os experimentos, os pesquisadores injetaram diretamente no estômago de camundongos material contendo 100 mil parasitas, isolados em laboratório. Verificaram que os animais desenvolveram lesões gástricas idênticas às manifestadas nas cobaias infectadas por via sanguínea. A patologista lembrou que insetos de origem silvestre (como provavelmente eram os que contaminaram a bebida em Santa Catarina) hospedam protozoários de cepa mais agressiva, dado também revelado no estudo.