Título: 1.360 cientistas alertam: colapso
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Vida&, p. A16

Um dos mais amplos estudos já realizados aponta que o colapso do planeta pode acontecer ainda neste século Os humanos estão modificando a Terra em um ritmo sem precedentes na História - e, se não reduzirem o passo ou entrarem em um equilíbrio com a natureza, um colapso ambiental poderia ocorrer ainda neste século, com a expansão de doenças pelo globo, o surgimento de zonas mortas nos oceanos e o crescimento descompassado do desmatamento. Quem alerta é um grupo de 1.360 especialistas de 95 nações. Eles foram consultados para medir a saúde dos ecossistemas e como o padrão de vida do homem interfere nos sistemas. As informações formam um documento de aproximadamente mil páginas intitulado Avaliação Ecossistêmica do Milênio, que será lançado simultaneamente em diversas cidades do planeta. Em Brasília, o evento ocorre hoje de manhã com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Segundo o relatório, o futuro do planeta e da humanidade está por um fio: a demanda do homem por recursos naturais é maior do que a capacidade de o planeta em repô-los. Agricultura, pecuária, piscicultura e indústria cresceram o suficiente para manter o Homo sapiens, mas o preço pode ser exorbitante: nos últimos 50 anos, a população poluiu ou superexplorou dois terços dos sistemas ecológicos dos quais a vida depende, desde a água potável ao ar. "No coração desta avaliação está um alerta", escreve o comitê de 45 membros que assina a introdução. "A atividade humana coloca tal tensão nas funções naturais da Terra que a habilidade de os ecossistemas do planeta de sustentarem as gerações futuras não pode mais ser tomada como certa. (...) As conseqüências desta degradação poderiam piorar significativamente nos próximos 50 anos."

De acordo com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, o estudo mostra "como as atividades humanas estão causando danos ambientais em grande escala em todo o mundo e como a biodiversidade está declinando em uma taxa alarmante".

O relatório mostra evidências de como a natureza pode se esvaziar. Um dos alertas mais claros é dirigido à indústria pesqueira, que retira peixes dos oceanos mais rápido do que a capacidade de recuperação das espécies. O problema já é observado em pequena escala - como a indústria da pesca do bacalhau no Canadá, que entrou em colapso em 1992 por causa de sua superexploração - e tem feito países do Atlântico Norte se reunirem para encontrar soluções.

RODA-VIVA

A atividade antropocêntrica acaba, no fim, afetando o próprio homem, mostra o relatório. A mudança climática cria condições propícias para o surgimento de epidemias - como o crescimento dos casos de cólera na África e de dengue no Brasil, por exemplo. Menos árvores costumam levar a menos chuva. O nitrogênio derivado dos fertilizantes usados na agricultura, que mais cedo ou mais tarde caem nos mares, poderia causar explosões abruptas de algas que sufocariam os peixes e criariam zonas mortas, sem oxigênio, nos litorais.

"Os governos deveriam reconhecer que os serviços naturais têm custos", afirma A.H. Zakri, da Universidade das Nações Unidas e co-presidente do comitê. Contudo, segundo ele, a proteção ambiental não é prioridade "para aqueles que vêem (os recursos) como livres e ilimitados".

ANALOGIA

O documento pode ser visto pelos governos e formadores de opinião como um complemento ao relatório organizado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que agrega dados científicos sobre o tema. Contudo, ao contrário do painel, declaradamente veiculado às Nações Unidas, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio tem muitos pais, desde o Banco Mundial até o Instituto Mundial de Recursos (WRI), passando por instituições da própria ONU, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

"O estudo foi proposto num processo análogo ao IPCC para criar uma avaliação do estado global dos ecossistemas", diz o biólogo brasileiro Gustavo Fonseca, vice-presidente-executivo da ONG Conservação Internacional e co-autor do capítulo que fala sobre a biodiversidades. Segundo ele, o fato de os especialistas e o próprio relatório não serem ligados a um órgão específico permite que seja tomado como fonte confiável de informações, principalmente na formulação de políticas públicas.

A independência tem seu preço. Ao contrário do relatório do IPCC, que conta com revisões periódicas dos dados, a avaliação pode ser filha única pela falta de recursos destinados a publicações de novas edições.