Título: Turbulência sacode o mercado: risco e dólar sobem, Bolsa despenca
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Economia, p. B

Divulgação de índice de preços nos EUA faz bancos se livrarem de títulos de mercados emergentes, como os brasileiros O cenário externo voltou a ditar o ritmo dos negócios e trouxe turbulência para o mercado brasileiro ontem. Não bastasse o comunicado do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), na terça-feira, revelando cautela sobre a inflação no país, um novo índice de preço divulgado ontem nos Estados Unidos acendeu o sinal de alerta no mercado internacional. Alguns bancos, como Merrill Linch, reduziram suas posições em países emergentes, como já havia ocorrido com JP Morgan, no dia anterior, e azedou o humor dos operadores do mercado. Resultado foi a queda do mercado de títulos da dívida brasileira. O C-Bond recuou 0,13%, para 98,5% do valor de face, e o BR-40 caiu 0,65%, para 109,75%. Com isso, o risco país subiu 3,6%, para 461 pontos - o maior nível desde novembro do ano passado. De janeiro até agora, o risco Brasil já subiu 17,60%, ou 82 pontos.

A turbulência também respingou no câmbio, já que a perspectiva de menor entrada de recursos de investidores externos reduz a oferta da moeda no mercado interno. Mesmo sem leilão de compra do Banco Central (BC), o dólar subiu 1,93%, para R$ 2,75 - o maior nível desde o dia 16 de março. A alta elevou a valorização registrada pela moeda americana ante o real para 6,18% no mês e para 3,62%, no ano.

O índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 1,39%, para 26.248 pontos, refletindo o movimento de venda de ações iniciado no dia anterior. No mês, a bolsa paulista acumula perda de 6,72% e quase zerou a valorização no acumulado de 2005, registrando alta nesse período de apenas 0,20%.

REDUÇÃO DE APOSTAS

O economista-chefe da Sulamérica Investimentos, Newton Rosa, explica que o temor do mercado é que o Fed acelere o processo de aperto monetário nos Estados Unidos por causa das pressões inflacionárias. Com isso, os investidores acabam reduzindo as apostas nos mercados emergentes e buscando títulos americanos, já que a tendência é que esses papéis passem a ter um retorno melhor.

Apesar dos emergentes oferecerem maior rentabilidade, por causa dos juros altos, os títulos americanos têm risco muito pequeno. Além disso, com os constantes aumentos promovidos pelo Fed, o retorno tem melhorado. Hoje, os juros básicos americanos estão em 2,75%, mas a taxa dos títulos de dez anos subiu para 4,62%.

Na avaliação do economista do ABN Amro Mário Mesquita, o mercado está começando a incorporar um cenário externo menos auspicioso que o desenhado no início do ano. "O pano de fundo da economia internacional era de liquidez abundante. Se isso mudar, a tendência é que os ativos dos países emergentes sejam ajustados", avalia ele.

Para o economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, esse movimento de ajuste já começou e foi intensificado ontem com a divulgação do índice de inflação ao consumidor (CPI) americano de fevereiro, acima das expectativas do mercado. Os números confirmaram a avaliação do Fed de que as pressões inflacionárias aumentaram nos últimos meses.

Com isso, os investidores estrangeiros acentuaram o movimento de redução de posições em títulos de países emergentes, como os brasileiros, para migração para o dólar e títulos americanos. Na avaliação de Maia, a tendência é que esse nervosismo seja prolongado por alguns dias. "Mas acredito que em breve os ativos dos emergentes voltem a apresentar boas oportunidades de negócios para os investidores", afirma o economista da Gap.

Apesar do estresse, por enquanto, ninguém fala em fuga de capitais. Até o dia 18 de março, por exemplo, o saldo de investimento estrangeiro no País somava R$ 827 milhões - resultado de entradas R$ 8,8 bilhões e saídas de R$ 7,9 bilhões. No acumulado do ano, a Bovespa soma R$ 5,1 bilhões de saldo de capital estrangeiro.