Título: Quadrilha rouba R$ 2,7 milhões do IR e divide com servidores
Autor: Vasconcelo Quadros, Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2005, Economia, p. B5

A Receita Federal desmontou ontem uma quadrilha que adulterava declarações de Imposto de Renda de Pessoas Físicas para beneficiar funcionários públicos graduados. O rombo é de R$ 2,7 milhões. O dinheiro foi devolvido como restituição do IR em janeiro, para as contas de 190 contribuintes com rendimentos salariais anuais de R$ 100 mil a R$ 200 mil - 52 deles lotados no Senado, 19 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 13 da Polícia Civil de Brasília, 11 do Ministério Público Federal e o restante distribuídos em outros órgãos públicos. "São funcionários que têm consciência do que fizeram. Não se pode dizer que foram usados pela quadrilha", disse o superintendente da Receita Federal da 1.ª Região (Centro-Oeste), Nilton Tadeu Nogueira. Os servidores, cujos nomes estão em sigilo, pagavam 5% dos valores restituídos ao contador José Godinho Pontes, dono de um escritório de contabilidade em Itumbiara (GO) e apontado como o mentor do golpe. O agenciamento dos funcionários era feito por Antônio Nonato da Silva Neto, seu sogro, Gilberto de Freitas, e uma mulher, Ana Maria Alves, que moram em Santa Maria (DF).

Segundo a Receita e a Polícia Federal, eles arranjavam os clientes e remetiam suas declarações dos últimos cinco anos para o escritório de Godinho, que se encarregava de fraudá-las, utilizando recibos médicos e de despesas de instrução falsos. As declarações fraudadas eram enviadas como retificadoras. A Receita está fazendo um levantamento sobre todos os contribuintes que usaram o escritório de Godinho.

A PF apreendeu R$ 43 mil em espécie, R$ 9 mil em cheques, unidades centrais de processamento de computadores e recibos em branco que seriam usados para simular serviços médicos e de educação para elevar os valores das restituições. "O método é simplório. A Receita está preparada para descobrir fraudes mais ousadas. Parece que menosprezaram nosso serviço de inteligência", disse Nogueira. Segundo ele, a fraude foi detectada antes de a restituição ser liberada, mas a Receita quis dar corda ao grupo e deixou que os valores irregulares fossem entregues. "Queríamos pegar toda a rede e cortar o mal pela raiz. A operação tem função mais educativa do que repressiva. É para avisar que esse golpe não compensa." Ninguém foi preso. Os suspeitos sofrerão processo fiscal e terão de devolver o dinheiro com multa que varia de 170% a 225% sobre os valores recebidos e poderão ser indiciados por crime contra a ordem tributária e formação de quadrilha.

VENDA DE FRAUDE

Um casal proprietário de um pequeno escritório de contabilidade em Itaquera, na zona leste de São Paulo, conseguiu montar uma fraude que podia dar R$ 15 milhões de prejuízo à Receita. Seus donos são acusados de induzir 10 mil pessoas a crer que elas tinham direito a receber restituições de imposto de renda muito maiores do que tinham direito. Em média, elas chegavam a R$ 1.500. Entre os clientes do escritório havia cerca de mil policiais militares. "Acreditamos que os contribuintes foram induzidos a erro, mas todos devem fazer uma declaração retificadora até para mostrarem, a boa-fé", disse o delegado Hugo Brazioli Slivinski, da PF. Nenhum contribuinte foi acusado enquanto. Mas o casal do escritório não escapou do indiciamento sob a acusação de estelionato.

A fraude foi investigada pela Receita, PF e integrantes da Procuradoria da República. Tudo começou quando a Receita recebe informações de funcionários sobre consultas feitas por policiais e denúncias anônimas. "Estamos sempre cruzando informações e aprimorando controles", disse Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, superintendente-adjunto da Receita em São Paulo.

Um força-tarefa revirou o escritório da Organização Contábil das Nações. "Eu só fazia o que a moça da Receita me havia orientado a fazer", disse a técnica contábil Isabel Cristina Alves da Silva, dona do escritório onde trabalhava com o marido, José Patrício de Moura.

A Receita não sabe ainda quanto dinheiro de fato foi recebido a mais pelos contribuintes. Pelo trabalho, os donos do escritório cobravam de 10% a 15% do valor que cada um cada receberia da Receita. Em 2004, o contribuinte devia pagar depois de receber a restituição. Como sofreram muito calotes, estavam exigindo pagamento adiantado neste ano. "É a primeira vez que descobrimos um esquema de venda da fraude", disse Mendes.