Título: 'Transgênicos, seguros como os convencionais'
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2005, Vida &, p. A17

Com a entrada em vigor da nova Lei de Biossegurança, publicada anteontem no Diário Oficial da União, cresce a expectativa sobre a entrada de novas variedades transgênicas no mercado agrícola brasileiro. Em particular, as do tipo Bt, como milho e algodão. Diferentemente da soja Roundup Ready (RR), que é resistente ao herbicida glifosato, as plantas Bt contêm o gene de uma bactéria (Bacillus thuringiensis) que as torna resistentes ao ataque de insetos, como lagartas e besouros. A soja é explicitamente liberada pelo texto da lei, enquanto o algodão Bt, comercializado sob o nome Bollgard, já foi aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e precisa apenas de registro no Ministério da Agricultura para entrar no mercado - salvo recursos na Justiça ou no recém-criado conselho de ministros. A empresa por trás de ambas as tecnologias é a multinacional americana Monsanto. E o homem por trás das variedades Bt, especificamente, é o pesquisador John Purcell. Biólogo molecular, há 20 anos na empresa e hoje diretor global de Assuntos Científicos da Monsanto, ele defende sem hesitação a tecnologia que ajudou a desenvolver - e que hoje é motivo de polêmica no mundo inteiro. Em uma recente passagem pelo Brasil, Purcell conversou com o Estado sobre os transgênicos.

Como surgiu a idéia de colocar genes de bactérias em plantas?

No passado, quando o agricultor tinha problemas com um inseto, ele aplicava um inseticida para controlá-lo. É uma maneira perfeitamente razoável de lidar com o problema. O que nós propusemos foi o seguinte: será que não há uma solução biológica para isso, em vez da química? Nós observamos como insetos são controlados na natureza e, por acaso, existe uma classe de bactérias conhecidas como Bacillus thuringiensis, que produzem proteínas Bt. E então pensamos: será que podemos usar esse mecanismo? Será que podemos pegar o gene de defesa dessa bactéria e colocá-lo na planta, de forma que ela possa se proteger dos insetos por conta própria? Foi o que fizemos.

Você imaginava que essa tecnologia que criou pudesse produzir tamanha polêmica?

De certa forma, fomos pegos de surpresa. Sei que isso pode soar arrogante vindo da Monsanto, mas houve uma certa ingenuidade da nossa parte. Parte disso veio do fato de que muitos de nós que trabalhamos com biotecnologia somos biólogos por natureza. Portanto, vimos a transgenia como algo muito positivo: a possibilidade de pegar os ensinamentos da natureza e aplicá-los num ambiente agrícola. Vimos o lado dos benefícios, mas talvez não tenhamos visto outros lados tão claramente quanto deveríamos.

Como encara as dúvidas levantadas contra os transgênicos?

Por trás desses questionamentos estão dúvidas naturais, que merecem ser devidamente respondidas: os transgênicos são seguros para os seres humanos; para os animais, para o meio ambiente? Nosso papel como cientistas é ter certeza de que essas questões são atendidas durante a pesquisa e nas avaliações de risco que são feitas antes do produto chegar ao mercado. Os estudos que fizemos foram confirmados por várias instituições internacionais e órgãos regulatórios de vários países, que concluíram que os produtos transgênicos no mercado são tão seguros quanto os convencionais.

Uma crítica aqui é de que os estudos feitos nos EUA não servem para o Brasil...

Em primeiro lugar, não foi só nos EUA. Esses produtos foram testados em várias geografias diferentes e aprovados por uma série de perspectivas regulatórias. Há certos estudos, sim, que precisam ser feitos especificamente para uma região, e há outros que certamente podem ser transportados de um lugar para outro - os testes de toxicidade e alergenicidade, por exemplo. Mas não há razão para refazer todo o processo.

A principal ressalva é que a soja (e agora o algodão) foi aprovada sem estudo de impacto ambiental.

Você precisa determinar o que faz sentido dentro de uma avaliação de risco ambiental. É por isso que as avaliações precisam ser feitas caso a caso, produto por produto. Você precisa olhar qual é a planta e quais são os parâmetros ambientais envolvidos. A soja, no caso, é uma planta de autopolinização, portanto o risco é muito pequeno. Há estudos que podem ser feitos, mas a grande questão é se eles realmente precisam ser feitos. Fazer estudos e mais estudos envolve custos; os produtos não vão para frente e os benefícios não chegam aos produtores.

Como pode garantir que os produtos Bt são seguros?

As bactérias Bt são usadas na agricultura há muitos anos, inclusive na agricultura orgânica. A bactérias são pulverizadas sobre as plantas na forma inteira, enquanto nós estamos usando apenas um gene dela. A grande vantagem do Bt é sua especificidade. Há muitas bactérias Bt, e cada uma produz uma proteína muito específica, que só age sobre determinados insetos - apenas lagartas ou até uma única espécie de lagarta. Não há toxicidade para outros organismos. No nosso corpo, a proteína é simplesmente digerida como qualquer outra na alimentação.