Título: PT muda perfil para ficar com a cara do governo Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2005, Nacional, p. A6

O PT vai mudar o seu programa e passar a borracha no tom mais vermelho. Quase quatro anos depois de pregar a ruptura com o modelo econômico neoliberal, no 12.º Encontro Nacional de Olinda (PE), em dezembro de 2001, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva caminha para incorporar a defesa do superávit primário, do ajuste fiscal e do cumprimento dos contratos em seu ideário político. Será, na prática, a garantia de que, num possível segundo mandato, Lula não partirá para nenhum plano B na economia. Irritados com comentários de que o governo do PT mantém a política econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tão criticada pelo partido quando era oposição, os petistas afinaram o discurso. "Ajuste fiscal e controle da inflação não têm ideologia: não são de direita nem de esquerda", diz o presidente do PT, José Genoino. "O principal desafio do partido, nesse novo período, é atualizar seu ideário político e enfoque programático a partir da experiência de ser governo."

A guinada oficial no PT começará a tomar forma na reunião do campo majoritário, marcada para os dias 9 e 10 de abril, no Rio de Janeiro. É lá que a ala moderada lançará a candidatura à reeleição de Genoino e baterá o martelo na tese a ser apresentada pelo grupo, em maio, para o processo de eleição direta no partido, em setembro.

SOCIALISMO

Apesar dos protestos dos radicais, a tese que varre do PT os tradicionais gritos de guerra da série "Fora FMI" deve se transformar no seu programa a partir de dezembro, quando o partido realizará o 13.º Encontro Nacional. Ao que tudo indica, será mais uma vitória do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O documento tem a chancela de Lula, de Palocci e do chefe da Casa Civil, José Dirceu. Mesmo com toda a reviravolta, o PT se reafirma como partido de esquerda, herdeiro dos valores do "socialismo democrático", que se compromete a lutar para eliminar a desigualdade, a injustiça e a miséria.

"Estamos mostrando que a responsabilidade fiscal e o controle da inflação não são valores de um governo, mas de toda a sociedade", argumenta Palocci. "Um governo que não olha a questão do combate à inflação não se sustenta."

Até agora, o último documento do PT, aprovado em encontro, era justamente "A ruptura necessária", de dezembro de 2001. Escrito pelo prefeito de Santo André Celso Daniel - assassinado em janeiro do ano seguinte -, o texto estabelecia diretrizes para o programa de governo de Lula. Defendia mudanças radicais na política econômica levada a cabo pelos tucanos e dizia que um dos pontos de partida para o novo modelo seria o rompimento com o Fundo Monetário Internacional.

Em junho de 2002, porém, o mesmo PT decidiu revogar na prática aquele calhamaço e lançar a Carta ao Povo Brasileiro. No documento, Lula tranqüiliza os investidores e o mercado financeiro: promete manter o superávit primário (economia de gastos para pagamento dos juros da dívida) "o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".

O que os radicais pensavam ser apenas um panfleto para ganhar a eleição presidencial foi seguido à risca pelo governo e tem tudo para virar ideário do partido. "Isso é uma barbaridade!", desabafa o deputado Ivan Valente (PT-SP). "Se incorporarmos a prática do governo Lula à teoria, o PT vai se descaracterizar totalmente como de esquerda."

Genoino diz estar disposto a promover um debate franco no PT, "sem maniqueísmos nem pichações". Para o secretário-geral do partido, Silvio Pereira, seus companheiros precisam entender que a estabilidade econômica é fundamental para o governo aplicar políticas de desenvolvimento.

"Muita gente não está enxergando isso", observa Pereira. "Não queremos um Estado intervencionista nem mínimo, mas, sim, indutor do desenvolvimento." Numa autocrítica, o secretário-geral do PT vai mais longe. "Nos seus 25 anos, o PT conseguiu elaborar uma estratégia de chegada ao governo, mas é bom reconhecer também que essa estratégia parou aí", diz.