Título: MEC conclui debate da reforma universitária
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2005, Nacional, p. A10

Ao receber ontem, último dia de prazo, as sugestões das universidades federais, o Ministério da Educação terminou a primeira grande etapa da reforma universitária: a da "conversa" do governo com a sociedade. Em 114 dias, o MEC debateu o assunto com reitores, professores, alunos e especialistas que deixaram, nas mãos do ministro Tarso Genro, um catatau de idéias para a futura Lei do Ensino Superior. A fase 2, ao longo de abril, será para estudar e comparar essas propostas, levadas por nada menos que 51 entidades. Destas, 26 apresentaram emendas substitutivas, grande parte das quais dedicada ao que o secretário-executivo do MEC, Fernando Haddad, definiu como "questões de precisão redacional". O próximo desafio, acrescenta ele, "é consolidar os textos numa versão de maior consenso e alinhavar depois os temas mais polêmicos". Mas são tantas as sugestões, e tão diferentes entre si, que o MEC decidiu ontem mesmo mudar o cronograma: o prazo para levar o texto definitivo à Casa Civil não é mais 15 de abril. Ao longo do mês, diz o secretário-executivo, o ministério pretende organizar uma segunda consulta com os autores das sugestões, com base em um texto mais consistente. "Isso não quer dizer que vamos levar ao presidente Lula uma salada de frutas", advertiu o ministro Tarso Genro, que alguns setores criticaram, no início dos debates, por ter não ter incluído na primeira versão as idéias que então recebeu.

A tarefa do MEC não vai ser fácil. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, propõe que fique mais claro no projeto o verdadeiro papel da universidade, que é o de educar, formar recursos humanos e produzir conhecimento - prioridade que aparece diluída no texto oficial e que foi proclamada, também, pelas mantenedoras das universidades privadas.

A Associação Nacional de Dirigentes das Instituições do Ensino Superior (Andifes) apresentou um punhado de idéias provocativas, como o fim da reeleição do reitor, a ampliação de seu mandato de 4 para 6 anos e a adoção de contratos temporários para muitas atividades internas do ensino superior - sugestão que certamente será recebida a pedradas pelo corporativismo universitário.

Com apoio da comunidade científica, a Academia Brasileira de Ciências desprezou a idéia de um conselho comunitário e propôs um Conselho de Desenvolvimento forte, de caráter deliberativo, com apenas 15 membros e poderes para definir planos e fiscalizar gastos e investimentos. As universidades particulares propõem que a futura Lei do Ensino Superior seja dividida em etapas - primeiro se discutiria a mais urgente, do financiamento das federais, e depois as outras, como a definição de um marco regulatório para o setor. "É necessário corporificar as muitas regras, portarias e decretos sobre o ensino superior", alerta o presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), Gabriel Rodrigues. "O que os particulares reclamam", acrescenta, "é que a cada vez que se muda algo no terceiro escalão, vêm novas regras mudando as rotinas".

O documento da Andifes, de mais de 40 páginas, o último recebido pelo ministério, apresenta outras idéias polêmicas. Uma delas é aceitar a eleição direta do reitor pela comunidade universitária, desde que se dê peso majoritário ao corpo docente. "Assim se preserva a idéia, mas cabendo aos professores a responsabilidade maior sobre a escolha", argumenta o secretário-geral da Andifes, Gustavo Balduíno. Outro decisão das federais é aprovar o conselho comunitário, desde que ele tenha, de fato, uma função apenas consultiva. Além disso, a Andifes propõe que se implantem duas versões diferentes, para escolas públicas e privadas, do Plano de Desenvolvimento Institucional. Esse plano obriga as universidades a submeter ao MEC seus projetos financeiro e pedagógico e renová-los a cada cinco anos, para poder continuar funcionando.

OTIMISTA

"Não tivemos tempo, ainda, de avaliar as propostas, mas percebemos que o diálogo fortaleceu algumas idéias que antes pareciam polêmicas", observou, otimista, o já ministro interino Haddad. "Um exemplo é a questão do conselho comunitário. Não há mais aquele temor de que ele se imiscuiria nas decisões da universidade." O importante, ressalta, é que o cerne do projeto não vai mudar: a questão da autonomia, intrinsecamente ligada à do financiamento, e a regulação de todo o sistema em uma única lei. Mas o representante das mantenedoras particulares, Gabriel Rodrigues, espera que a próxima versão seja mais flexível e olhe mais para o futuro e menos para o passado. "Se a universidade não mudar, e muito, está com os dias contados", diz Rodrigues, citando uma frase do ex-ministro Cristovam Buarque.