Título: 'Lula pilota aviãozinho com lugar para 25% do povo'
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2005, Nacional, p. A11

Ao anunciar que está deixando o comando da diocese de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o bispo Mauro Morelli, de 69 anos, disse ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "pilota um aviãozinho com lugar para 25% do povo", parcela que é privilegiada pelo acesso à educação, à saúde e à habitação. "O resto que se lixe", queixou-se. D. Mauro, que esteve em Caxias por 24 anos, considerou que o programa de combate à fome "é bom, mas não é ótimo" e citou as "flutuações políticas dos governos" como uma dificuldade para o avanço das políticas sociais. Será substituído pelo atual bispo auxiliar de Pouso Alegre (MG), d. José Francisco Dias.

Primeiro bispo de Caxias, d. Mauro disse ter renunciado para se dedicar mais ao trabalho nos programas de segurança alimentar. Ele preside os Conselhos de Segurança Alimentar de Minas e de São Paulo e integra o conselho nacional. Com o governo Lula, d. Mauro disse não estar "nem decepcionado nem bem impressionado". E desabafou: "Se Jesus Cristo ficasse presidente da República, não iria fazer muito melhor que Lula. Não estaria sujeito à corrupção, porque é incorruptível, mas a estrutura do País é perversa. Estamos prisioneiros de uma engrenagem. Tem que haver uma mudança profunda", avaliou.

Na carta-renúncia que enviou ao papa João Paulo II em maio de 2004, d. Mauro disse não ter mais "ânimo, desejo e tempo" para a administração da diocese, que abrange os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti. Afirmou ter mais energia para trabalhar pela política de alimentação.

No texto, disse que após o "gravíssimo acidente" de 2003, quando ficou dez dias em coma, sentiu que "o Senhor transformou em graça a desgraça" e o convocou "de forma integral ao serviço dos mais pobres e indefesos". "Se parar de trabalhar eu morro", afirmou o bispo ontem, mostrando uma planilha com uma extensa agenda de viagens para os próximos dois meses.

No anúncio oficial de sua renúncia, d. Mauro contou que recentemente mandou um recado a Lula, convidando-o para rezarem juntos: "Não veio retorno, eu rezei por ele sozinho. Mas lhe quero bem, é uma pessoa amiga." Disse que ali mesmo, no refeitório da Catedral de Santo Antônio, em Caxias, foi convidado a ser vice de Lula em 1989.

"(Se aceitasse) eu ia detonar muita coisa boa. Tive suficiente juízo e discernimento de perceber", admitiu. Em 2002, disse, houve novo convite, que rotulou de "arroubo". O bispo chamou a atenção para os perigos do poder. "Quando vejo Lula, digo Deus, tenha piedade dele. Os palácios são muito perigosos."

D. Mauro disse odiar idolatria, na Igreja e na sociedade: "Ficar adorando o papa, o bispo, o padre, o pastor é um horror. A gente tem que adorar o único Deus e acabar com os ídolos." Ele defendeu mudanças na estrutura da Igreja, criticando a nomeação de núncios apostólicos que não conhecem as realidades dos países em que vão servir.