Título: Ministros no palanque
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2005, espaço Aberto, p. A3

D e agora em diante, o presidente Lula não será a única estrela dos comícios da reeleição - onde, em sentido metafórico, ele pode ser encontrado todos os dias ou quase, principalmente desde que o pleito municipal de outubro indicou que o primeiro trunfo do candidato-presidente, acima até da recuperação da economia, é o seu formidável poder de comunicação. No entanto, a julgar pela reportagem de Vera Rosa, publicada ontem neste jornal, Lula parece ter chegado à prudente conclusão de que os seus discursos - proferidos para serem vistos nos telejornais noturnos de maior audiência - podem muito, mas talvez não possam tudo.

Por isso, reunido na última quarta-feira com oito ministros, ele os instigou a percorrer o Brasil divulgando o que seriam as realizações do governo na área social. "Dêem entrevistas para as rádios locais. Falem dos nossos programas, expliquem o que estamos fazendo", exortou o presidente. A rationale da iniciativa é tão antiga como a política: dado que o Planalto se comunica mal - embora estejam longe de ser escassos os seus gastos com publicidade -, o primeiro escalão precisa trabalhar em dobro para que o povo conheça o bem que o governo lhe faz. Como se a imprensa desse apenas as "más notícias" de que se queixa o ministro da Comunicação Social, Luiz Gushiken.

São incertos os efeitos da prevista revoada ministerial. Mas, se eles não se limitarem a imitar o presidente - que monologa sem cessar, mas foge das entrevistas à imprensa que fazem parte da rotina dos governantes democráticos -, os portadores das boas novas do Planalto poderão ser recebidos em cada pouso por indagações inquietantes sobre os apregoados triunfos sociais da administração petista. Hoje mesmo, por exemplo, se poderia indagar da autoridade responsável como justifica o desvio de recursos do Fundo de Combate à Pobreza para, além de outros fins, fazer caixa. Entre 2003 e 2004, deixaram de ser aplicados quase R$ 6 bilhões.

O jornal O Globo, que publicou essa informação domingo, noticiou na véspera outra situação talvez ainda mais constrangedora para o governo, pela sua força simbólica: 16 meses depois de Lula estabelecer em Mossoró, no Rio Grande do Norte, o assentamento de 19,7 mil hectares que se transformaria numa "fazenda-modelo", porque "é assim que a gente vai fazer daqui para a frente", em matéria de reforma agrária, os assentados disputam comida com animais. Em meio à fome, doenças e esgotos improvisados, eles ainda não receberam os créditos prometidos para a planejada produção em regime de cooperativa. "Precisamos atingir a perfeição nesses assentamentos", comprometera-se Lula em dezembro de 2003.

Ele não é o primeiro presidente a acenar com realidades que levam tempo para se concretizar, quando não permanecem durante todo um mandato no plano das miragens. Sendo as máquinas públicas o que são, o mínimo que se espera de um chefe de governo ciente das limitações do cargo - e Lula não se cansa de mencioná-las - é que arregace as mangas para combatê-las, até pelo exemplo. Mas Lula parece ser um trabalhador incansável apenas quando o trabalho consiste em passear e falar ou passear para falar. Nos seus dois primeiros anos no Planalto, fez 584 discursos, ou 2 a cada 3 dias. O dado consta de um artigo do historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, sobre o desempenho do presidente, publicado domingo na Folha de S.Paulo.

Depois de esquadrinhar a agenda oficial de Lula no período, ele chegou a um diagnóstico devastador: "Pelos compromissos listados, não se vê um presidente que tenha interesse nos assuntos administrativos, muito menos no estudo e enfrentamento dos grandes e graves problemas nacionais. Atividades são marcadas sem nenhum critério seletivo, como se a ação governamental causasse tédio e enfado ao primeiro mandatário da República. A agenda de trabalho é pobre, desconexa e em vários dias está quase totalmente vazia, como se o País estivesse vivendo em pleno céu de brigadeiro." No dia 12 de janeiro de 2004, por exemplo, Lula recebeu apenas o presidente do Clube do Choro de Brasília.

Não admira que o plano estratégico para o Executivo federal de 2007 a 2022, em elaboração no Planalto, dê prioridade às mesmas reformas que ou estão travadas ou continuam no limbo, enquanto o governo desistiu de ter uma agenda legislativa de peso para este ano e o próximo