Título: Lula teme contaminação ética
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2005, Nacional, p. A6

Presidente conclui pela necessidade de mudar o padrão de conduta do governo A despeito das versões de que o presidente Luiz Inácio da Silva voltará a cuidar da reforma ministerial tão logo passe o impacto negativo da recente e malfadada tentativa, a retomada da idéia por enquanto existe apenas no campo das hipóteses a respeito das quais muito se fala e pouco se sabe.

De concreto mesmo no Palácio do Planalto só existe a certeza de que Lula percebeu o risco de ser pessoalmente contaminado pelo método politicamente desarticulado e eticamente, no mínimo, discutível, em que se deram até agora as tratativas do governo com os partidos de sua base de sustentação.

Por isso, concluiu pela urgência de mudar o padrão do processo de tomada de decisões e de elevação do nível do relacionamento entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Dentro dessa linha, Lula pessoalmente decidirá quando, como e a partir de quais critérios fará as trocas de ministros consideradas eleitoral e administrativamente necessárias para assegurar chance de sucesso ao projeto da reeleição.

Uma questão, por exemplo, já está clara para o presidente: não se faz reforma ministerial a partir de um sistema quase de consulta pública entre os interessados nem se adota como parâmetro único de conquista de apoios a distribuição de cargos.

De acordo com avaliações internas do governo, isso pode até obedecer à lógica das relações tradicionais - ao menos no Brasil - entre parceiros de uma formação governamental multipartidária, mas rende prejuízos inequívocos junto à opinião pública. E o eleitorado, em última análise, é o que interessa.

Se ele começar a perceber mal o governante, não adianta os políticos e os partidos estarem perfeitamente atendidos, pois, na hora do voto, são os primeiros a correr para o lado de quem estiver bem com a sociedade.

Por essas análises, não foi o ultimato do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, em favor da indicação de um apadrinhado para o Ministério das Comunicações, o fator preponderante na decisão de cancelar as mudanças.

A cena de Severino fazendo exigências públicas apenas traduziu - em dimensão de culminância - o absurdo do processo em curso e confirmou uma percepção (o Planalto não confirma se baseado em pesquisas) que o presidente vinha tendo a respeito da repercussão negativa na população. Ali ficou evidente que era melhor pagar o custo político do cancelamento do que arcar com os prejuízos da sua execução. Ficou nítida também a impossibilidade de insistir nos procedimentos até então adotados.

O equívoco principal, avalia-se no Planalto, foi considerar que era possível agora fazer as mudanças usando os mesmos meios e modos utilizados na reforma de janeiro de 2004 que, de acordo como governo, "deu certo".

Faltou aí talvez perceber que um ano e quatro meses depois a situação não era mais a mesma: o desgaste aumentara, a tolerância da população diminuíra, e por isso mesmo os partidos já não se sentiam tão reverentes em relação ao poder e estavam muito mais desinibidos nas cobranças, desobrigados a manter sigilos das negociações em andamento e com um olho voltado para outras perspectivas eleitorais.

Ou seja, tratavam em tese com um governo em início de fase final e não mais embalado na força eleitoral que levara Lula à Presidência. Nesse quadro, ações governamentais, mudanças de ministros incluídas, requerem mais cuidado e atenção do principal interessado que, de agora em diante, pretende compartilhar menos e apostar mais na sua afamada intuição popular para decidir, em regime de centralização explícita, os rumos a seguir.

Amargo despertar

O governo edulcorar os efeitos negativos do erro crasso da Medida Provisória 232 editando uma MP só para a correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas e dizer, com isso, que ouviu o clamor da sociedade, faz parte.

Mas terá de se empenhar um pouco mais para realmente convencer a opinião pública desses bons propósitos, dada a grandeza do engodo.

Nada, a não ser a comprovação com atos futuros e uma efetiva mudança de padrão como diz pretender o presidente Lula, será capaz de apagar das memórias os fatos. E estes - a propaganda em torno da correção do IR seguida da tentativa sub-reptícia de aumentar imposto, contando que a notícia positiva escondesse a negativa - não imprimem confiabilidade ao ambiente entre governo e sociedade. Ao contrário, subtraem confiança dessa relação.

O Planalto e a Fazenda despertaram, mas não o fizeram por iniciativa própria. Não ouviram o clamor popular, foram antes sacudidos, levados a render-se - e com resistência, diga-se - às evidências num momento em que já se configuravam extremamente adversas.

Foi o primeiro erro político cometido em praça pública pelo ministro Antonio Palocci. Dentro da dinâmica - real ou artificial, não importa - da disputa entre Palocci e José Dirceu, o ministro da Fazenda inaugurou seu placar desfavorável. E, não resta dúvida, demorou, mas o fez em grande estilo.