Título: Serra sobe tom no ataque ao BNDES por corte de energia
Autor: Bruno Paes Manso
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2005, Nacional, p. A9

No palco principal, o prefeito José Serra (PSDB) fez ontem suas mais duras críticas desde que a AES Eletropaulo desligou a energia de 85 prédios públicos na cidade de São Paulo. Mencionou os empréstimos tomados pela empresa no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como determinantes para a decisão da Eletropaulo contra a atual gestão, o que levou o presidente do BNDES, Guido Mantega, a ameaçar o prefeito com uma interpelação judicial. Mas nos bastidores, em três reuniões intermediadas pela Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), que tiveram participação de integrantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Secretaria Municipal de Finanças, da diretoria da Eletropaulo e integrantes da CSPE foram retomadas as conversas sobre as dívidas da Prefeitura.

No começo da noite, depois da intensa repercussão em torno das declarações de Serra, a temperatura da briga voltou a esfriar. O prefeito e Mantega conversaram por telefone e desfizeram os mal-entendidos. E na cidade de São Paulo, às 20 horas, todos os prédios atingidos pelo corte já tinham luz. Os participantes do encontro não quiseram se manifestar sobre o que conversaram, admitindo apenas que o diálogo entre as duas partes fora retomado.

As declarações do prefeito foram feitas de manhã, durante um evento na Favela Tolstoi, em Sapopemba, na zona leste de São Paulo. Indagado sobre o corte de energia nos prédios da Prefeitura, ele foi duro. "A dona da Eletropaulo é a AES, que é uma empresa mal administrada, virtualmente quebrada", afirmou Serra. "O BNDES socorreu a empresa, é hoje dono de 49%, socorreu e salvou a empresa com dinheiro público, e eles não podiam na gestão anterior fazer qualquer represália contra a verdadeira Prefeitura que lhes deu calote."

Em entrevista a uma rádio, Mantega acusou o prefeito de fazer exploração política do episódio e ameaçou cobrar explicações na Justiça. "O BNDES é acionista minoritário da Eletropaulo, tem 49% das ações, ele não se envolve na gestão da empresa, ele não se envolvia no passado e não se envolve agora, todas as decisões são tomadas pela direção da Eletropaulo", assegurou. "O BNDES teve de fazer a reestruturação da Eletropaulo porque no governo anterior, do qual o prefeito Serra fazia parte, houve a privatização e nós tivemos de reestruturar."

Maior distribuidora da América Latina, a Eletropaulo foi vendida em 1998 ao consórcio formado pela francesa Eletricitè de France e a americana AES, com financiamento do BNDES. Com a desvalorização do real, a situação do consórcio se deteriorou e o BNDES ajudou na reestruturação da dívida. No acordo, ficou com 49% das ações. Restaram à AES 51% das ações e uma dívida de US$ 600 milhões com o BNDES, segundo a Eletropaulo

RENEGOCIAÇÃO

A decisão de cortar as luzes no governo de Serra e poupar o de Marta, segundo a Eletropaulo, deve-se ao acordo de renegociação da dívida assinado pela ex-prefeita em setembro passado. A dívida do Município com a Eletropaulo é de R$ 630 milhões, valor que se acumula desde 1996.

A gestão Marta Suplicy negociou o parcelamento de parte da dívida - de R$ 530 milhões - que deveria ser pago em 12 anos e cuja primeira parcela venceria apenas em agosto deste ano, depois que acabasse sua administração. No acordo, a Prefeitura se comprometia em pagar as contas de luz do município em dia, que somam R$ 19 milhões mensais. O mês de outubro foi pago, mas em novembro os pagamentos voltaram a ser suspensos. "Não cortamos na gestão de Marta porque era final de mandato e esperávamos a normalidade da situação com a nova gestão", explicou o vice-presidente de Operações da Eletropaulo, Roberto Di Nardo.

Como Serra não pagou as contas, segundo a Eletropaulo, a energia de 85 prédios foi cortada. O prefeito garante, no entanto, que as contas de luz estão em dia. A solução do impasse começou a ser negociada nas reuniões de ontem. Segundo a CSPE, cujo papel era intermediar os encontros, a última reunião ocorreu no fim da noite, na sede da Prefeitura e teve a participação do secretário municipal de Finanças, Mauro Ricardo Costa. A assessoria da Secretaria de Finanças não confirmou o encontro.