Título: Militantes são recrutados para o abril vermelho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2005, Nacional, p. A13

MANARI - O Abril Vermelho não é só de invasões. O MST também investe em novos militantes. Ontem, o líder regional do MST, Jaime Amorim, foi a Manari, no sertão, município detentor do menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, catequizar os acampados sem-terra da periferia e zona rural do município de 13 mil habitantes. Começou a ensinar o que é o MST e iniciou-os nos gritos de guerra e canções do movimento. "Cada um saiu da sua casa, está montando um grande acampamento e passa a pertencer a uma organização que se chama MST", disse ele, de forma didática aos moradores que foram mobilizados com a promessa de receber uma cesta básica mensal e de conseguir - num período de cerca de um ano - moradia e um pedaço de terra para plantar. Diferente do anunciado à imprensa, a Fazenda Lagoa, de propriedade de João do Leite, não foi alvo da "maior ocupação já realizada pelo movimento no Estado", com 2 mil pessoas. Na semana passada, o fazendeiro ouviu a notícia de que sua terra poderia ser invadida e procurou o MST. Disse que sua área não tem área suficiente para ser desapropriada, ouviu de ma comissão do MST que a intenção não era ocupar e foi convidado a ajudar o movimento. Ele localizou uma área de um hectare de propriedade do farmacêutico José Vieira da Rocha, e a alugou por R$ 600,00, valor total por um período de um ano. Pagou R$ 100,00 e se comprometeu a pagar as parcelas restantes. A história foi contada pelo farmacêutico e pelo professor municipal Luiz Alves de Oliveira. João do Leite mora no Maranhão e deve retornar a Manari em dois meses. O contrato foi "de boca", segundo José Vieira da Rocha, que não sabia que o terreno era para sem-terra.

Na assembléia realizada ontem, no acampamento, onde estão sendo armadas mil barracas, Amorim, com a ajuda de ativistas e dirigentes do movimento, começou a familiarizar os novos integrantes do movimento com os slogans "ocupar, resistir, produzir" e "Só só sai, só sai reforma agrária com aliança camponesa e operária". Também falou em latifúndio, palavra que - como a sigla do movimento - era desconhecida de grande parte deles. "Mulher, eu nunca ouví essa palavra não", disse envergonhada Alcina Maria dos Santos, 55 anos, que trabalha na roça "para os outros", quando chove, e tinha dificuldade de repetir os gritos de guerra.

Alberik Rodrigues, dirigente de uma microrregional do MST na área, explicou que a decisão de não ocupar a Fazenda Lagoa, como anunciado pelo MST, se deveu à dificuldade de locomoção para a propriedade, de difícil acesso, e para evitar algum confronto envolvendo os moradores.

Também visou a dar aos manarienses uma imagem pacífica do movimento.

Uma comissão do MST foi a Manari na terça-feira da semana passada, mobilizou a população, que foi cadastrada - de acordo com o movimento mais de 2 mil pessoas - e no domingo, o acampamento começou a ser levantado.

Amorim prometeu ocupações para breve com os acampados. "Começamos a organizar uma grande família e vamos fazer ocupações para que o País possa colocar suas terras a serviço da produção de alimentos para o povo brasileiro", disse Jaime Amorim, ensinando ser esta a primeira etapa do lema "ocupar, resistir, produzir". Depois vem a resistência - "que pode durar meses ou anos" - e em seguida vem a conquista da terra quando o trabalhador passa a produzir e "se liberta da exploração do latifúndio e da concentração de riqueza".

IMPACTO Amorim destacou a importância da mobilização dos moradores do município mais pobre do País como uma ação de impacto para levar o governo federal, o governo estadual, o Incra a olhar para a miséria e fome do local e ver que a reforma agrária é a grande alternativa para esta situação."Este é o recado de Manari: faça reforma agrária que o País não terá mais fome", disse o líder em nome dos acampados, ainda atônitos e confusos com tanta novidade.

Ele não teme frustrar os moradores com promessas que poderão não se concretizar. "A frustração da expectativa inicial faz parte do processo de luta", afirmou. "O objetivo é criar ações de impacto, fazer com que o Incra, os governos federal e estadual olhem para a região totalmente carente e vejam a reforma agrária como uma alternativa para a miséria e a fome".

Amorim reafirmou também a importância de outra megaocupação - da Fazenda Catalunha II, no sertão do São Francisco - segundo, ali ele mais de mil sem-terra entraram na área - para chamar a atenção do governo para a necessidade de o projeto de transposição das águas do São Francisco beneficiar a agricultura familiar.