Título: Economia global se bipolariza ainda mais
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2005, Economia, p. B7

Além do cauteloso relatório do Banco Mundial, dois outros mais importantes e menos divulgados surgiram ontem. O da União Européia e o do Banco da Ásia para o Desenvolvimento. Ambos confirmam que a economia mundial está solidamente bipolarizada, no eixo EUA-Ásia. Durante e depois da guerra fria, a polarização era política, EUA-URSS. Agora é econômica. A intensificação do processo de unificação na Europa não gerou o que se previa, um sólido bloco econômico que pudesse substituir ou coordenar-se com os EUA. Ao contrário, a partir da união monetária em torno do euro, a economia européia perdeu espaço e não encontrou o caminho. Está sendo substituída pelos países asiáticos, fazendo surgir um personagem desconhecido e imprevisível, no cenário mundial.

É UM FATO NOVO

Para muitos, pode não parecer novidade, mas há um fato novo, preocupante: enquanto a Ásia avança, a Europa recua. De acordo com a UE, o PIB da Eurozona, que reúne as 12 principais economias regionais (PIB de mais de US$ 8 trilhões), neste ano crescerá só 1,6%. Se tanto. A previsão anterior da UE, feita em outubro, era de uma expansão de 2%.

O documento é polêmico, pois contradiz outros e não deixa esperança para uma recuperação este ano. Ao contrário, a UE aponta para um fato negativo, mais desequilíbrio orçamentário. Os principais governos da UE gastam mais do muito que já arrecadam (cerca de 40% do PIB), sem retorno nem a curto ou médio prazo.

COMPETITIVIDADE MENOR

Para a UE, a economia do bloco não voltará a crescer enquanto persistir a alta dos preços do petróleo, a valorização do euro - ambos a curto prazo - ou as reformas tributária e trabalhista. 'As velhas economias européias estão perdendo competitividade', diz o comissário para Assuntos Monetários, Joaquim Alunia. Ele situa entre esses países a França, a Itália e a Alemanha, mas os outros, com exceção da Grã-Bretanha, que não aderiu ao euro, seguem o mesmo caminho da retração ou estagnação.

Para a Alemanha, que é o motor da economia européia, a UE prevê um crescimento do PIB de só 0,8%, metade da estimativa anterior. Mas o porta-voz do ministro das Finanças, Stefan Giffeler, reafirmou ontem que o governo mantém sua estimativa de crescimento de 1,6%, o que se dará nos próximos semestres. A maior parte dos analistas fala em 1%.

A França e a Itália estão na mesma situação e, acrescenta Alunia, com déficits orçamentários que não estão sendo usados para aumentar os investimentos e gerar empregos, já passando, em média, de 9% da população ativa.

Os países que saíram da influência soviética e entraram agora no bloco, surpreendem, estão indo bem. A UE prevê 4,4% para a Polônia, 3,9% para a Hungria e 6,4% para Letônia, 6,4%. Mas são economias pequenas que saíram do quase zero de crescimento sob o império soviético.

ÁSIA NÃO TEME A CRISE

O relatório do Banco da Ásia para o Desenvolvimento estima que o PIB da região, sem o Japão, crescerá, em média, entre 6,5,% e 6,9% neste não, mas nos dois próximos também. E se houver uma retração nos EUA e em outros países desenvolvidos? O economista-chefe do banco, Ifzal Ali, responde: 'Mesmo que a economia mundial cresça num ritmo menor, moderado, nos próximos três anos o desenvolvimento asiático será mantido dentro das nossas previsões.' E o extraordinário fluxo de investimentos externos também será sustentável?

'Os investimentos que estão crescendo 30% deverão ser mantidos porque esta será a região mais atraente para os investidores.' Além dos canais abertos para eles, que desde o ano 2000 já investiram US$ 660 bilhões, acrescenta, há um fato novo, um forte crescimento da demanda interna dos países asiáticos.

Outro fator decisivo que ele aponta é a estabilidade do sistema monetário. Os investidores que aplicaram na Ásia, principalmente na China, não serão pegos de surpresa com alterações bruscas do câmbio, que afetaria , como no Brasil, a rentabilidade. Além disso, a instabilidade afasta investidores, que estão indo buscar os caminhos mais confiáveis na Ásia.

O banco trabalha com a hipótese de um PIB de 8,5% para a China, onde há uma imensa populaçãoainda fora do mercado. Ele não prevê, mas não afasta também uma expansão chinesa da ordem de 9% neste ano, e até mais. 'Ela está mostrando sinais de desaquecimento, mas o comércio inter-regional tem estado extraordinariamente ativo', diz o banco.

EUA, OS OUTROS E OS RISCOS

Neste cenário de otimismo em meio a tanta incerteza, o que os analistas do Banco da Ásia para o Desenvolvimento prevêem para os EUA e outros países? Eles estimam que os países industrializados, incluindo os EUA, deverão manter um crescimento médio de 3,5% até 2006.

Mas, no final do relatório, eles revelam cautela. 'Há, no radar, o risco de uma disrupção no sistema financeiro global provocada pelo crescente desequilíbrio externo das contas dos EUA, mas o momento e o impacto decorrente são ainda incertos.' Mesmo assim, a Ásia seria a menos atingida.

'Os governos asiáticos detêm hoje reservas cambiais da ordem de US$ 1,6 trilhão, uma larga proporção em títulos americanos.' Preocupa? Sim, menos, porém que uma nova explosão dos preços do petróleo e mais ataques terroristas. Muitos poderão discordar do otimismo, outros dirão que há irresponsabilidade nas projeções, mas ninguém pode negar que até agora eles acertaram.