Título: D. Cláudio é recebido com honras de chefe de Estado
Autor: Expedito Filho, Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2005, Especial, p. H4

Arcebispo brasileiro teve direito a 40 policiais para fazer sua segurança, escolta e revista de jornalistas. Saiu da sala VIP do aeroporto de Roma num carro com vidro fumê acompanhado por batedores . O cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, desembarcou ontem em Roma, com honras de chefe de Estado, embora ainda seja apenas um dos 116 cardeais que se reunirão, a partir do dia 18, para escolher o novo papa. A chegada do cardeal à capital italiana mobilizou um batalhão com 40 policiais, metade deles armados até de metralhadores e com cães farejadores. Os oficiais estavam trajados a rigor. Ao contrário dos outros três cardeais brasileiros que desembarcaram pelo terminal de passageiro, Hummes desceu pela sala VIP do aeroporto e ainda foi recepcionado pela embaixadora brasileira no Vaticano, Vera Machado. Segundo um dos policiais, a orientação superior era mesmo de dar um tratamento de chefe de Estado ao cardeal brasileiro, um dos candidatos latino-americanos mais cotados para ser o futuro papa. Nem mesmo os jornalistas brasileiros e estrangeiros foram poupados. Como acontece em recepção de chefes de Estado, todos foram revistados com detectores de metal. Bolsas, máquinas e computadores dos profissionais de imprensa também foram abertos e testados. Além disso, quando deixou o aeroporto, d. Cláudio saiu em carro oficial, com vidro fumê, acompanhado por batedores.

O cardeal brasileiro não quis conversar sobre a eleição e ainda desconversou quando um jornalista lembrou que a América Latina poderia ter um peso na escolha do papa por ter metade de todos os católicos do mundo. "O mundo tem 1 bilhão de católicos", limitou a dizer.

Segundo Marco Politi, vaticanista, a regra de ouro para ser aceito pelo Espírito Santo consiste em jamais dar qualquer demonstração de apego à candidatura.

LEMBRANÇAS

Em sua estratégia, bem calculada, o cardeal brasileiro fez mais. Ao falar com os jornalistas, ele procurou, de forma sutil, mostrar o quanto ele e João Paulo II eram próximos. " Estamos todos concentrados para os funerais. Todos perdemos um grande pai. Eu sempre tive nele um grande pai, orientador e um grande amigo", disse.

D. Cláudio chegou a contar detalhes da primeira vez em que se encontrou com o papa. Disse que era bispo novo e escreveu um bilhete, entregue ao secretário particular do papa, no qual dizia que não poderia voltar a Santo André "sem ter visto Pedro". Como resultado, ele foi convidado a celebrar missa na capela particular de João Paulo II. "Ele me convidou para um café e durante 40 minutos debatemos sobre questões operárias, sobre os operarions na Polônia e o ABC, onde começavam as grandes movimentações em 1978", lembrou.

As lembranças, amarradas ao discurso do cardeal, foram interpretadas como uma tentativa de fazer um paralelo entre ele e João Paulo II, Santo André, no Brasil, e Gdansk, na Polônia, cidade que originou o movimento Solidariedade.

Nessa linha , o papa aparece no discurso do cardeal como sendo uma referência inestimável. "Devido aos meus 21 anos de Santo André, por muito tempo eu tinha no papa uma referência. A encíclica Laborem Exerceis, sobre o trabalho humano, foi uma grande referência para mim e no meu modo de compreender o papa. Essa encíclica ficou muito forte a revirei de trás para frente", disse o cardeal.

Somente no final da entrevista, o papável brasileiro reconheceu que o traço mais forte da pregação de João Paulo II foi seu perfil de grande missionário, que expandiu a Igreja para todo os lados do planeta. "A imagem do papa era a do papa que viajava, do papa missionário, do papa das multidões. Ninguém ia a alguns países e ele ia. E não só em termos de evangelização, de coisas materiais. Ninguém ia e ele foi. Enfim, ele era um homem muito atento à dignidade humana."

Atento estava o cardeal, que também tem uma preocupação central com sua imagem. Ele observou que sua pregação junto aos operários, considerada subversiva, foi sempre muito bem recebida pelo chefe da Igreja. "Quando foi a São Paulo, no Morumbi, estava chovendo e eu trouxe guarda-chuva de baixo da batina e segurei para proteger o papa. Houve reclamação porque o bispo de Santo André, que era considerado meio subversivo, estava em muita evidência", concluiu.