Título: Teologia da Libertação: volta o debate
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2005, Especial, p. H6

Os adeptos da Teologia da Libertação, que perderam terreno durante o pontificado de João Paulo II, mas não desistiram da luta, esperam voltar à cena com a escolha do novo papa. Acusados de utilizar instrumentos marxistas para a defesa dos excluídos - o que lhes valeu advertências do Vaticano e a cassação de alguns de seus principais teóricos -, eles avançam com novos argumentos e outra linguagem, investindo contra o neoliberalismo e a globalização, em vez de pregar a luta de classes. "A Teologia da Libertação pode ser revigorada, dependendo de quem for eleito, pela esperança que a Igreja der aos pobres na estrutura neoliberal que o mundo vive", prevê o padre Márcio Fabri, professor de Teologia Moral na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e do Centro Universitário São Camilo, em São Paulo. Apenas uma questão de enfoque, pois essencialmente o conteúdo será o mesmo.

Na avaliação de Fabri, os teólogos da Libertação mantêm acesa a chama do ideal de fazer teologia a partir da causa dos pobres, embora tenham deixado de produzir textos que lhes davam projeção na Igreja e na mídia. "A Teologia da Libertação continua viva enquanto proposta de que é preciso viver a fé com base na realidade", observou o professor da Faculdade Nossa Senhora da Assunção, antigo Seminário Central do Ipiranga.

Fabri adverte que é preciso analisar a Teologia da Libertação em dois planos. "Na hierarquia, essa tendência sofreu restrições por parte daqueles que defendiam uma Igreja forte e centralizada para enfrentar fraturas da modernidade, porque viam na Teologia da Libertação uma ameaça."

Em outro plano, os teólogos conseguiram, apesar da repressão, construir uma comunidade cristã que luta e busca novos caminhos. Significa a vivência na prática de uma teoria que supostamente deixou de ser ameaça nos últimos 15 anos, com o fim do socialismo real. A hierarquia, que, por orientação de Roma, tentava refrear o movimento, achou que, a partir da queda do Muro de Berlim, ele passava a ser um modelo sem futuro.

CENSURA

A censura e cassação dos principais teóricos da Libertação, como Leonardo Boff no Brasil, se refletiram na pastoral e em outros setores da Igreja. Os seminários, por exemplo, foram orientados a dar mais ênfase à liturgia e aos sacramentos, em vez de se preocupar tanto com os excluídos na linha de opção preferencial pelos pobres.

A nova geração de sacerdotes sabe pouco sobre a Teologia da Libertação, embora grupos de seminaristas se perguntem como os cristãos devem conciliar fé e realidade. A questão se levanta também nas comunidades eclesiais de base (Cebs), que continuam numerosas e ativas.

"A Teologia da Libertação está firme e forte", afirma o sociólogo Pedro Assis Ribeiro de Oliveira, professor da Universidade Católica de Brasília. "Os teólogos incorporaram temas novos, como a questão da mulher e das minorias", disse.

Em sua opinião, o pontificado de Karol Wojtyla enfraqueceu o movimento, que poderá ter novo alento com a eleição do futuro papa. "Houve um enfraquecimento, mas não se deve dizer que a responsabilidade foi só de João Paulo II, pois ele se explica também pelo esgotamento da primeira geração de teólogos." Os principais teóricos da Libertação continuam trabalhando, mas já não se projetam tanto como no passado.

"Leonardo Boff (que abandonou a ordem dos franciscanos e o sacerdócio depois de ser punido pelo cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé) mudou de público, mas continua fazendo teologia", observou Fabri. Outros teólogos pioneiros do movimento, como o peruano Gustavo Gutierrez, também insistem em suas teses, embora sem a mesma visibilidade.

Para Pedro Oliveira, "o Brasil assimilou a proposta da Libertação como maneira de fazer teologia". O sociólogo cita, para reforçar essa afirmação, uma imagem usada pelo também teólogo Clodovis Boff, irmão de Leonardo, que compara a um bolo açucarado os frutos da Teologia da Libertação - "não se vê o açúcar , mas se percebe que o bolo está doce".

TÁTICA

A prova de que o movimento continua ativo, argumentam Fabri e Oliveira, foi a realização do Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que reuniu, este ano, cerca de 200 teólogos e teólogas em Porto Alegre, às vésperas do Fórum Social de Porto Alegre.

"Os teólogos dessa linha adotaram a tática de não divulgar muito suas idéias, uma maneira perversa de agir, mas estão aí em plena atividade", afirma o advogado carioca Paulo Rodrigues, autor do livro Igreja e Anti-Igreja, Teologia da Libertação. "Não acho que os teólogos da Libertação vão voltar no próximo pontificado, porque na verdade eles nunca foram embora." Em sua opinião, os adeptos do movimento pregam a luta de classes, por exemplo, quando lançam padres contra bispos, alunos contra professores, pois isso significa uma subversão da hierarquia.

Tradutor de A Fé Católica - Documentos do Magistério da Igreja, obra do jesuíta espanhol Justo Collantes, o advogado espera que o futuro papa se empenhe em consertar os seminários, para melhor formação dos padres e restauração da liturgia. "Na linha da Teologia da Libertação, uma comunidade de freiras do Maranhão impediu que um padre celebrasse a missa, argumentando que ele só teria de fazer a consagração do pão e do vinho, pois elas cuidariam do resto."

A Teologia da Libertação ganhou espaço da Igreja a partir 2.ª Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada em 1968, em Medellín, na Colômbia, com a presença de Paulo VI. Diante do que a hierarquia considerava desvios da doutrina, por causa da utilização de instrumentos marxistas, João Paulo II advertiu para esse risco na Conferência de Puebla, México, em janeiro de 1979. A opção pelos pobres não pode ser discriminatória nem excludente, como sugeria o adjetivo "preferencial", lembrou o papa.

Em carta à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), João Paulo II afirmaria que a Teologia da Libertação "é boa, útil e necessária", contanto que não exclua ninguém. Apesar dessa advertência, o papa foi mais complacente do que a Congregação para a Doutrina da Fé, que defendia uma posição mais dura. Roma temia que, com a defesa da luta de classes, os teólogos acabassem justificando a violência, como ocorreu no caso de Camilo Torres, padre colombiano que morreu lutando como guerrilheiro.