Título: Para salvar esse governo
Autor: Mauro Chaves
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

O "choque de mediocridade" em que resultou a reforma ministerial (gorada) de Lula, a desarticulação galopante da base parlamentar governista, o aniquilamento de suas lideranças, o descontrole de gastos governamentais e tudo o mais que vai gerando um processo rapidíssimo de desgaste, de desmoralização pública dos que ainda têm 21 meses de poder federal são motivo de séria preocupação para todos os que apostam em nossa evolução democrática e num clima tranqüilo de alternância de poder. É preciso assegurar que o governo Lula vença o caos que criou para si próprio e readquira um mínimo de credibilidade político-administrativa. Apesar de a chantagem fisiológica de Severino Cavalcanti ter dado oportunidade ao presidente Lula de reagir, num rompante, e se livrar de uma reforma ministerial que não sabia como fazer, seu alívio é apenas momentâneo. Com esse Ministério o governo Lula não agüenta 21 meses. Por outro lado, em razão da alta infidelidade partidária, está provado que os acordos de "governabilidade" (troca de votos parlamentares por cargos executivos) não funcionam mais. Então, a única condição que restou ao presidente Lula, para se impor à sua própria base parlamentar, é a de montar um Ministério de notáveis e/ou competentes, de preferência (não necessariamente) dentro do círculo de pessoas que já o apoiaram, às quais poderia fazer um apelo de colaboração, em nome dos interesses maiores do País. Eis algumas sugestões.

Ciro Gomes, que já demonstrou seu maior talento administrativo no âmbito municipal (foi melhor prefeito de Fortaleza do que governador do Ceará), seria o nome ideal para fazer funcionar o Ministério das Cidades (com raquítico desempenho, atualmente). E para o Ministério da Integração Regional, que tem como principal projeto a transposição do Rio São Francisco (atual pomo da discórdia regional), um grande nome seria o de Aziz Ab'Saber - cujos imenso conhecimento "físico" do País e profunda qualificação técnica dissipariam os conflitos nessa área. E por falar na combinação da excelência técnica com o espírito público, Dráuzio Varella, com sua sensibilidade para entender a evolução e os limites da ciência médica, assim como a organização dos serviços de saúde pública, poderia ser uma solução para o comando do Ministério da Saúde (cujo atual titular passa por uma das mais indigestas frituras da história ministerial republicana).

Apesar das inegáveis qualidades de advogado criminal do ministro Márcio Thomas Bastos, para a complexa função de ministro da Justiça (muito além de orientações à Polícia Federal), que compreende o encaminhamento da reforma do Judiciário, a renovação dos códigos, a reforma política e tudo mais que diz respeito à estrutura jurídica do País, necessário seria um jurista de estofo mais abrangente, com profundos conhecimentos de Direito Administrativo, Constitucional, Financeiro, Tributário, além da percepção especial quanto aos efeitos da (boa ou má) aplicação do Direito na vida das pessoas. Esse jurista é o atual ministro do Supremo Eros Grau - amigo de Lula de longa data. Apesar de discreto e formal - ótimas qualidades para um ministro da Justiça -, Eros Grau é pessoa de muita sensibilidade, o que já demonstravam as poesias que escrevia na juventude, como a bela Canção da Abortada.

E por falar em literatura, será que o mais respeitado intelectual do Brasil - o professor Antonio Candido -, que tanto contribuiu para a chegada do amigo Lula ao poder maior, se furtaria a, neste momento difícil, lhe prestar uma colaboração decisiva, assumindo o Ministério da Cultura, ao qual haveria de emprestar seu enorme prestígio - assim como alargaria as dimensões da pasta, estendendo o apoio oficial a todos os gêneros de produção cultural e artística que bem conhece (e não mais só a alguns)? Com certeza o atual ministro Gilberto Gil ficaria honrado em passar-lhe o bastão - e também aliviado, porque mais disponível estaria para atender à grande demanda internacional por seus shows.

Eduardo Suplicy seria o ideal comandante do Ministério do Desenvolvimento e Reforma Agrária, porque é político de grande habilidade pacificadora, mestre na intermediação de conflitos e, sobretudo, porque a reforma agrária, nos dias de hoje, se tornou muito mais uma questão de renda mínima. Para a Previdência Social, em lugar de manter um ministro (Romero Jucá) que, recém-empossado, já é recordista em denúncias estampadas na imprensa, o ideal seria um ministro de competência e idoneidade jamais contestadas, assim como comprovada capacidade de planejamento e visão futura - o que é essencial na atividade previdenciária. Esse ministro seria João Sayad.

Com sua bagagem imensa de conhecimentos, como filósofa e educadora, Marilena Chauí poderia conduzir o Ministério da Educação com uma amplitude de perspectivas muito maior do que a do atual titular da pasta, que parece mais preocupado - para não dizer obcecado - com o problema das "cotas" (raciais ou de outro gênero) de ingresso na universidade, pelo que se utiliza de argumentos que constituem verdadeiros crimes de lesa-lógica aristotélica. Ao sindicalista dr. Vicente Paulo da Silva (Vicentinho) bem que poderia ser dada a oportunidade de comandar o Ministério do Trabalho e pôr sua vasta experiência, de conhecimento das leis trabalhistas e de negociação, a serviço da modernização do sindicalismo brasileiro. E Mário Garnero, que tanto tem ajudado o governo, com seu excepcional relacionamento internacional e na atração de investidores para o País (como confirma o ministro José Dirceu), não poderia substituir com grande vantagem, no Ministério das Relações Exteriores, um ministro que, além do estranho preconceito contra pintores, quase só é reconhecido em foros internacionais quando confundido com seu antecessor, por semelhanças (apenas) de barba, formato de rosto, estatura e prenome?

De qualquer forma, esta lista de ministeriáveis vale, porque, se Lula não a aproveitar, seu sucessor poderá fazê-lo.