Título: PF investiga Jucá e mais cinco por suspeita de corrupção em Roraima
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2005, Nacional, p. A4

O ministro da Previdência, Romero Jucá (PMDB-RR), tornou-se um problema político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No dossiê que chegou ao governo antes mesmo de Jucá ser empossado, há uma série de suspeitas levantadas contra o ministro, incluindo investigação envolvendo Jucá em suposta cobrança de propina em projetos de obras públicas em Cantá, município do entorno de Boa Vista, em Roraima. Aberto pela Polícia Federal, mas aforado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo nome do ministro ter sido citado, o inquérito corre sob segredo de Justiça e está em fase de conclusão. O delegado Cristian Bart depende apenas do encerramento de perícias nas obras - a relação entre os recursos liberados e o que foi efetivamente utilizado - para escrever seu relatório e enviar ao procurador geral da República, Cláudio Fonteles, a quem caberá denunciar ou não o ministro.

Jucá já prestou depoimento, no ano passado, e negou envolvimento com os desvios, mas deverá ser chamado novamente. Ele, o ex-prefeito de Cantá, Paulo de Souza Peixoto, conhecido por Cão Pelado - afilhado do ex-governador Ottomar Pinto e marido da deputada estadual Lúcia Peixoto, do PMDB - e outras quatro pessoas que também teriam participado da triangulação para desviar recursos públicos são os alvos da investigação. Se confirmadas as suspeitas, serão indiciados por peculato e formação de quadrilha.

A investigação está baseada em relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) de transferência de recursos federais e na transcrição de uma fita cassete sobre uma suposta conversa telefônica entre o prefeito de Cantá, Paulo de Souza Peixoto, e um empreiteiro, também sob investigação da Polícia Federal. O prefeito reivindica R$ 25.200, o equivalente a cerca de 10% dos R$ 257.420,41 liberados entre 1999 e 2000 pelo Ministério da Saúde para a construção de cinco poços artesianos.

A citação do senador é indireta. Ele não aparece falando na gravação. Seu nome surgiu depois de um trecho do diálogo em que o empreiteiro reclama da porcentagem que teria de pagar - ele achava que era 15%, mas o prefeito insiste em 20%, metade, segundo afirma, para o senador.

"O meu é vinte, vinte cinco e duzentos", diz a voz que a polícia atribui ao prefeito. "Quanto é do senador?", pergunta o empreiteiro. O prefeito repete que sua parte são os 10%, mas o empreiteiro insiste em saber para quem iria o restante e depois desabafa: "P.q.p., Paulo. Aí eu não vou ganhar nada, bicho, nesse negócio aí..."

TRANSCRIÇÕES

O nome do senador aparece mais adiante, captado numa conversa, ao fundo da sala, quando o prefeito fala com o suposto articulador da propina, identificado na transcrição por Augusto, cujo nome completo, José Augusto Monteiro Diogo Júnior, seria identificado mais tarde pela polícia. "Augusto, olha eu tô acabando de ??? É 20% naquele negócio do Jucá, é? Vinte por cento, dez é meu e dez é do??? Ó Agusto, vê com eles aí como é que vai ficar, o que eles negociaram??? É 10% pra mim."

A gravação tem 12 páginas transcritas por peritos da PF e nela o prefeito revela que recebe 10% de todas as obras. Não é uma prova de crime, mas serviu como roteiro da investigação, passou por duas perícias e faz parte do corpo do inquérito. Na segunda perícia, o trecho em que o nome de Jucá aparece é retirado, mas permanece a citação ao senador.

A suspeita de que se trata do ministro é reforçada pela relação entre emendas parlamentares e os recursos liberados por vários órgãos federais à prefeitura. Foi essa a razão que levou o ministro Marco Aurélio de Melo, do STF, a concordar com a transferência do inquérito e o segredo de Justiça.

CONVÊNIOS

Um levantamento da própria polícia em torno dos convênios firmados entre vários ministérios e a prefeitura de Cantá mostra que entre janeiro de 1998 e janeiro de 2003 - que representam o início e o fim da vigência dos contratos - o governo liberou R$ 13.739.376,37 para obras no município.

Dos convênios firmados no período, estão pendentes para liberação R$ 4.288.732,60. O levantamento detalha os órgãos e ministérios que firmaram os convênios, valores, vigência e datas das liberações. Tudo está anexado ao inquérito.