Título: Waldomiro quebra silêncio e lamenta estrago a Dirceu
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Nacional, p. A6

Um ano depois do escândalo que quase nocauteou o governo Lula, o ex-assessor Waldomiro Diniz quebrou o silêncio para duas declarações bombásticas, em conversa exclusiva com o Estado. Numa, revela sua fidelidade canina ao amigo e ministro José Dirceu; noutra, critica seus sucessores na operações políticas do Palácio do Planalto: "Está tudo errado na coordenação política do governo", diz, sem meias palavras. Waldomiro deixou o governo abruptamente no dia 13 de fevereiro de 2004, quando era o poderoso subchefe da Casa Civil do governo, encarregado de gerenciar a coordenação política do governo. Ele foi flagrado por uma gravação de vídeo no momento em que pedia 1% de comissão ao empresário de jogos eletrônicos Carlos Cachoeira, para ajudar na liberação de máquinas de caça-níquel.

Livre, leve e solto, Waldomiro hoje tem tempo até para fazer críticas políticas, já que não trabalha desde que foi obrigado a deixar o Planalto. Ele assistiu ao recuo do governo na Medida Provisória 232 e afirma que, no período em que esteve no governo, isso nunca chegou a acontecer. Durante as conversas, ele também se mostrou desapontado com o resultado da reforma ministerial.

Segundo ele, seu ex-chefe e amigo Dirceu acabou saindo enfraquecido da reforma ministerial. "Desde o caso Waldomiro (em referência ao escândalo de que foi protagonista), essa seria a melhor chance para o Zé Dirceu se fortalecer, mas ele não conseguiu."

Em sua análise, o maior obstáculo de Dirceu está na disputa interna com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci.

Nas conversas com o Estado - a primeira em um estacionamento e outras duas num restaurante de Brasília -, ele em nenhum momento atacou o ex-chefe. É como se sua relação com o ministro fosse uma história para ser guardada. Conta que nem mesmo no dia da demissão conversou com Dirceu. Que os dois nunca mais se encontraram nem mantiveram nenhum contato e, no período em que esteve no governo, o ministro nunca lhe delegou a função de arrecadador de fundos de campanha.

"As pessoas nunca deixaram claro que a conversa com Cachoeira foi gravada antes do governo Lula, quando eu trabalhava para o Garotinho", reclama. É nessa parte espinhosa que seu relato perde consistência. Na sua versão, ele só recebeu o empresário a pedido de seu assessor na Loterj, o Armando, que morreu em dezembro do ano passado. Armando é que o teria convencido a fazer a proposta.

"Primeiro, o Armando, que era meu assessor, foi trabalhar com Cachoeira, que a essa altura já tinha ganhado a licitação na Loterj. Ele me disse que iria ganhar R$ 18 mil de salário e por isso estava trocando a Loterj pelo Cachoeira. Depois, quando ele já estava trabalhando com Cachoeira é que a conversa da fita aconteceu", afirma.

Waldomiro garante que esse dinheiro não era para ele, mas para o finado Armando. O que torna a história frágil é que o morto, acusado tardiamente, não deixou confidência que possa ser usada em sua defesa. E o pior é que Waldomiro também não explica que poderes tinha o tal assessor para obrigá-lo a fazer uma proposta ilegal. Nessa parte da conversa, ele não demonstrou segurança nem sequer fixou seu olhar no interlocutor.

Segundo sua versão, feita a proposta, nunca mais nenhum dos três tocou no assunto. Waldomiro diz que esqueceu da conversa porque Cachoeira não foi autorizado a instalar os caça-níqueis. E assegura que também não recebeu a propina de 1% pedida ao empresário. "Eu tenho meu sigilo bancário e vou provar que eu não recebi nada. Vou provar na Justiça e depois vou mostrar para vocês. Como é que me acusam de corrupto se não encontram o dinheiro?"

Ele admite, no entanto, que a gravação é difícil de explicar. "A fita é uma pedra no meio do caminho. Por isso, eu disse que a voz era minha e era eu que estava na conversa, embora alguns tenham me aconselhado a mentir."

Waldomiro repete que o único pacote de dinheiro que teria recebido das mãos de Cachoeira foi uma doação de R$ 100 mil para a campanha do candidato petista ao governo do Distrito Federal, Geraldo Magela. "Eu me lembrei que foi a única vez que ele me deu um pacote com dinheiro. Liguei para o Magela e avisei que iria contar (à imprensa). Ele concordou, mas acabou negando. Depois, eu soube que ele levou uma bronca da executiva do PT do Distrito Federal por não ter dito a verdade."

Na conversa, Waldomiro não mostra arrependimento do que falou no "grampo" de Cachoeira. Na sua avaliação, o erro foi ter aceitado trabalhar no Planalto. "Eu deveria ter ido para uma empresa distante do poder. Mas eu ouvi os amigos que disseram que seria uma boa experiência."

Waldomiro cita as CPIs do Esquema PC e do Orçamento, onde atuou como um bancário cedido pela Caixa Econômica para ajudar os parlamentares na investigações. Ali, ele iniciou os primeiros passos de sua carreira pública, passando de investigador a investigado, de acusador a acusado.

Ele lembra que comentou que finalmente estava conseguindo realizar o sonho de estar nas páginas de revistas. "Eu nunca esqueço quando um repórter disse que era para eu não me iludir, porque na política quem costumava virar notícia era corrupto ou ladrão."

Na Loterj, ele se transformou em uma espécie de amigo de artistas. Patrocinou a peça A Prova, protagonizada pela atriz Andrea Beltrão. Foram R$ 40 mil da Loterj, e a peça acabou ganhando o Prêmio Shell. Logo, a notícia se espalhou, e outros artistas começaram a procurar Waldomiro em busca de patrocínio.

Como resultado, tornou-se também amigo das atrizes Letícia Spiller, Camila Pitanga e do cantor Ivan Lins, com quem até viajou. Waldomiro, na época, morava no Leblon, mas não gostava de praia nem de andar no calçadão. "Meu maior prazer era jantar às 10 da noite num daqueles restaurantes."

Agora, Waldomiro ainda conta com a ajuda da mulher, Sandra, e de dois irmãos. Restaurantes, somente os mais discretos. Ele deseja retomar sua vida, voltar a trabalhar, mas sabe que antes precisa explicar direito as relações que construiu ao longo de uma carreira em que deixou o anonimato de quem investigava para terminar como o personagem que pediu 1% a um bicheiro.