Título: Costureira morta em 2001 ainda recebe aposentadoria
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Nacional, p. A9

Todo mês a Previdência Social deposita na agência Vila Mariana do Banespa, em São Paulo, cerca de R$ 400 na conta da contribuinte Belmira Damasco - sua aposentadoria, obtida após mais de 30 anos de trabalho como costureira. Ao mesmo tempo, manda para a agência Brigadeiro do Banco Itaú outro depósito, de meio salário mínimo, pensão que Belmira herdou de seu pai. Os valores conferem, o depósito não atrasa, os extratos chegam regularmente à sua casa, no bairro do Ipiranga. A única coisa estranha nessa história é que Belmira morreu há três anos e meio, aos 89 anos - e sua família não consegue, de modo algum, interromper os pagamentos. "É inacreditável o que está acontecendo", diz Maria Lúcia Favero, sobrinha de Belmira. Desde setembro de 2001 ela bateu perna, ficou em filas, telefonou e perambulou por agências do INSS e nada conseguiu, além de irritação e dor de cabeça. "Comecei indo ao posto do INSS do Glicério, e logo no primeiro dia uma funcionária confessou que não tinha a menor idéia de como eu conseguiria resolver o problema", disse ela.

Era um primeiro sinal. A via-crúcis que se seguiu, para Maria Lúcia, é bem conhecida de milhões de outros brasileiros - confusão de filas, gente passando na frente, atendentes despreparados, sistema caindo, longas esperas. Quando conseguia ser ouvida, diziam-lhe algo do tipo "vá até aquele guichê perguntar para aquele rapaz". Ou então: "Não, a senhora não pode fazer por fax, tem de ser pessoalmente." Por fim, avisaram-na de que o assunto só se resolveria no posto de atendimento do INSS do bairro do Butantã. "Mas a senhora tem de levar o atestado de óbito para eles darem baixa", advertiram.

Para quem mora no bairro do Ipiranga e trabalha o dia todo, lembra Maria Lúcia, não é simples deslocar-se até o Butantã, a pelo menos 15 quilômetros dali - mas ela foi. Lá disseram que não tinha de se preocupar muito, pois o Serviço Funerário manda normalmente as informações sobre óbitos para a Previdência. Também lhe explicaram que "depois de alguns meses" do falecimento de um beneficiário, se a conta não é movimentada, o próprio INSS recolhe.

Ela deu uma parada no caso em 2003, quando o então ministro Ricardo Berzoini anunciou o recadastramento dos idosos - o desastrado episódio que levou milhares de velhinhos a ficarem longas horas nas filas, e que o governo cancelou dias depois. "O nome da minha tia não seria renovado e o problema acabaria", calculou ela, na época.

Como o Brasil inteiro, Maria Lucia continua esperando que o recadastramento termine. Ele começou em dezembro, deveria ter acabado em fevereiro, mas até agora checou apenas a situação de 12 milhões de contribuintes, de um total de 23,2 milhões. E o dinheiro de dona Belmira continua entrando nos dois bancos. "E sabe o que me preocupa?", pergunta a sobrinha. "É que uma hora esse dinheiro suma da conta. Se sumir, é porque foi parar na mão de alguém. É fraude. E vão vir para cima da família".