Título: FMI - uma decisão difícil
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B2

Não foi fácil para o governo tomar a decisão de sair do guarda-chuva do Fundo Monetário Nacional (FMI). Mais por questões internas, nossas, do que por temer vir a enfrentar desconfiança e retração de crédito no mercado financeiro internacional. A questão é sempre a mesma: será que o setor público (aí incluídos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) está suficientemente maduro para manejar gastos com eficiência e consciência da necessidade de economizar? A dúvida decorre de anos a fio de exageros e indisciplina fiscal. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, acusado pela oposição petista na época, e governo hoje, de seguir a receita do FMI, só começou a apertar as contas públicas no finalzinho de 1998 e, mesmo assim, só depois de amargar dois duros ataques externos que ameaçaram fazer voar pelos ares o Plano Real. Desde então - e lá se vão mais de seis anos - o País passou a viver sob o guarda-chuva de compromissos e metas do Fundo. E nestes seis anos, para quem deteve a guarda do cofre e a responsabilidade de preservar a economia saudável, foi mais fácil negar dinheiro com a desculpa "o FMI não deixa" do que viver a realidade - agora colocada - de guardar a porteira aberta diante de uma boiada ávida por entrar. Apressado, o primeiro da fila - o ministro da Educação, Tarso Genro - nem esperou a decisão sobre o acordo com o Fundo e já avança com pedido de aumento de 47% nas despesas com universidades públicas este ano e criação de 400 mil vagas em quatro anos. Tudo bem se ele assumisse a responsabilidade política de subtrair gastos equivalentes de outros itens de seu orçamento. Inadmissível é criar despesa sem dispor de receita para tal. Se a opção é só somar e nunca subtrair, ou o governo eleva impostos ou aumenta sua dívida - duas péssimas soluções para a meta de inflação.

Nos últimos meses o tema foi intensamente discutido no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um fórum qualificado de debate livre sobre questões nacionais. "Foi uma decisão dividida e com bons argumentos dos dois lados", conta o economista Armando Castellar, ao descrever as razões que justificavam uma e outra posição.

Contra a renovação:

Quando recorreu ao FMI, em 1998, o Brasil enfrentava fechamento do mercado de crédito e o dinheiro do Fundo era imprescindível. Hoje esse dinheiro é dispensável, temos fácil acesso ao mercado internacional e a necessidade de novos empréstimos reduziu-se muito. Essa é a grande mudança em relação a 1998 e aos anos que se seguiram.

O mercado financeiro lá fora está em franca liquidez e o crédito, em expansão, conjuntura favorável para sair do Fundo.

É mais seguro e suave fazer a transição agora, com a situação da economia internacional ainda confortável e sem a tensão política de eleições no Brasil. É saber tirar proveito de dois anos de economia internacional em expansão, risco país em queda em todo o mundo e efeitos sobre nossos bons indicadores econômicos.

A favor da renovação:

O risco de se agravar a crise econômica nos EUA, com elevação dos juros, pode criar dificuldades para as economias de países emergentes. Na sexta-feira o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato, advertiu que "o ambiente positivo que tem favorecido mercados emergentes pode estar no fim". Nesse caso, seria melhor renovar o acordo e evitar o enorme custo político do risco de voltar ao Fundo em 2006, em pleno ano eleitoral.

É difícil resistir ao canto da sereia da ampliação dos gastos no setor público sem as amarras do Fundo, e o papel de dizer não vira atribuição concentrada no Ministério da Fazenda, deixando o ministro Palocci isolado e desgastado.

Ao exigir e checar a transparência da contabilidade das contas públicas, o FMI funciona como um selo contra desconfianças de agentes financeiros internacionais.

A grande maioria de economistas, empresários, políticos e executivos do governo aplaudiu a decisão de não renovar o acordo. Dois dias depois de anunciá-la em triunfo para 170 milhões de brasileiros, em rede nacional de televisão, o ministro Antonio Palocci foi à reunião do Instituto Internacional de Finanças, que reúne instituições financeiras em todo o mundo, para explicar e garantir que o fim do acordo com o Fundo não implicará afrouxar as metas de superávit primário e a redução da dívida pública.

Não será fácil. Despesas correntes não permanentes precisam ser controladas; demandas como a do ministro da Educação, adiadas; e o explosivo déficit da Previdência, contido. A Previdência reaparece no cenário como o principal problema a ser enfrentado este ano. Mas essa é outra história.

*Suely Caldas é jornalista. E mail: sucaldas@estado.com.br