Título: Brasil cresce menos que a média mundial há uma década
Autor: Sheila D Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B4

Apesar do otimismo oficial com os bons números da economia brasileira desde 2004, o País continua a se atrasar em relação ao resto do mundo. Em 2005, o Brasil deve completar seu décimo ano seguido de crescimento inferior à economia global. Desde 1996, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial cresceu 40%, quase o dobro do brasileiro, que se expandiu 22% no mesmo período. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva quase não mudou este padrão: em 2003 e 2004, o PIB brasileiro cresceu 5,7%, comparado com 9,9% do mundo. Durante os oito anos do governo FHC, o PIB mundial acumulou 32% de crescimento e o do Brasil, 20%. Mesmo em 2004, um ano de excepcional desempenho da economia brasileira, que cresceu 5,2%, o mundo andou mais rápido - segundo as estimativas do WestLB, deve ter crescido 5,8%. E o crescimento brasileiro não deve alcançar o ritmo global em 2005. A média das projeções do mercado brasileiro para a expansão do PIB do Brasil é de 3,67%. Os mais otimistas, como o economista Ricardo Amorim, do WestLB, prevêem 4%. Isso é menos do que projeção de crescimento do mundo em 2005 do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 4,3%, ou do WestLB, de 4,6%.

Para o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), "o problema se resume a duas palavras-chave, investimento e educação, e o histórico brasileiro deixa a desejar nas duas". Ele nota que o desafio do crescimento brasileiro mudou nos últimos anos: "Não é mais uma questão de evitar uma grande crise, que joga o crescimento no chão, como ocorreu na década de 90; o problema agora é fazer com que uma economia aparelhada para crescer sustentadamente a 3,5% e a 4%, acelere para a faixa entre 4% e 5%".

Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que "o Brasil teria condição de crescer acima do ritmo mundial se fizesse as reformas que faltam, como a trabalhista e uma nova reforma previdenciária". Para ele, os últimos dez anos foram uma fase de reformas institucionais importantes, que tiraram o País do caos hiperinflacionário e fiscal. O desempenho econômico medíocre do período foi o preço a pagar pelo fato de o Brasil ter iniciado tarde o seu processo de ajuste. "A Índia e a China começaram as reformas na década de 80", diz Schymura, para explicar por que os dois gigantes asiáticos crescem bem acima do ritmo da economia global.

MILAGRES

Giambiagi nota, em relação à China e à Índia, que a maioria das experiências de crescimento prolongado a altas taxas - os chamados "milagres" - está associada a níveis iniciais de renda per capita muito baixos. Nesta situação, ganhos muito simples de produtividade podem levar a altíssimas taxas de crescimento. Isso ocorre, por exemplo, quando camponeses da agricultura tradicional emigram em massa para a cidade, onde se empregam em atividades mais produtivas - o que ocorreu no Brasil em meados do século 20, e acontece hoje na China.

Uma exceção a esse padrão, para Giambiagi, é a Coréia que continua crescendo rapidamente, mesmo com renda per capita elevada. "Se quisermos ser como a Coréia, temos de agir como a Coréia, que está colhendo os benefícios de uma revolução educacional e de políticas corretas aplicadas por 40 anos", ele diz.

Para Amorim, do WestLB, um dos obstáculos a um crescimento mais acelerado do Brasil é "o setor público, que é grande e pesa demais sobre o setor privado, impedindo que o País possa crescer a um ritmo de 6% a 7%, como outras economias emergentes". José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, aponta também as altíssimas taxas de juros reais do Brasil. "O Brasil está com muita pouca intermediação financeira, por causa deste longo período de taxas de juros altas, e o efeito desta política na inflação é relativamente pequeno", ele diz.

Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, observa que, no século 20, o Brasil cresceu por várias décadas em ritmo superior ao da economia mundial, com taxas médias em torno de 7%. Ele acha que a década de 80 foi perdida por causa da crise da dívida externa, mas a de 90 foi desperdiçada por causa da política de câmbio valorizado e juros altos, uma combinação que deveria ser evitada no atual ciclo de expansão. "Somos os perdedores desta etapa, e só conseguimos crescer mais recentemente por causa da brutal demanda da China por nossas commoditties", diz Belluzzo.