Título: Ordem de Palocci: aperto será maior
Autor: Sheila D Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B4

A equipe econômica já trabalha, em silêncio, com uma meta maior para o resultado das contas públicas neste ano. Oficialmente, continua valendo o objetivo de atingir um saldo positivo equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto nas contas primárias do setor público. Esse cálculo considera a diferença entre receitas e despesas, exceto juros, para o conjunto formado pelos governos federal, estadual, municipal e empresas estatais. Mas, informalmente, a ordem já foi dada: o aperto será maior. É o que informam técnicos da área econômica. Apesar de oficialmente o governo defender que os gastos públicos não estão exagerados - a ponto de se transformarem no principal foco de pressão na inflação, como afirmam analistas do mercado -, nos bastidores da Esplanada dos Ministérios a preocupação com a pressão por mais gastos, vinda principalmente dos aliados, é crescente.

O mais provável, segundo defendem técnicos do governo, é que o controle extra se dê na execução do Orçamento ao longo de 2005, sem que se anuncie uma elevação da meta fiscal nesses primeiros meses do ano. No segundo semestre, como ocorreu em 2004, depois de avaliar o desempenho da arrecadação, a equipe econômica poderá oficializar um aperto fiscal mais forte.

"Uma parte do que hoje chamam de gastança é o opção do governo (de aumentar despesas) com programas de transferência de renda. Mas há outra parcela do custeio, onde é possível cortar bastante", diz um técnico da área econômica, citando gastos como viagens, diárias, água, luz e pagamento de serviços terceirizados.

Os defensores da tese de maior controle nos dispêndios argumentam que os países que optaram por "maior ousadia na contenção fiscal", como Irlanda, Bélgica e Grécia obtiveram melhores resultados na economia no longo prazo. Mas eles também sabem que essa justificativa não ganha o coração dos políticos, especialmente às vésperas de eleição. Com isso, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem sempre muito cuidado com esse tema.

O cenário fica ainda mais complicado diante do esfacelamento da base política do governo e das disputas por poder do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, com Palocci. Por isso mesmo não se espera que Palocci anuncie agora uma elevação do superávit primário.

ELEIÇÕES

Paradoxalmente, os bons números da economia, como o crescimento de 5,2% do PIB no ano passado e os recordes na balança comercial, que dão solidez às transações do Brasil com o exterior, trazem um problema potencial para a área econômica. A avaliação é que o entusiasmo, especialmente dentro do PT, alimentará a tese de que, após dois anos de forte contenção nos gastos públicos, finalmente é hora de mostrar a cara do governo Lula e enterrar as críticas de que essa gestão é apenas uma continuidade da anterior. Com isso, argumentam os defensores da guinada da política econômica, será possível recuperar a harmonia dentro do partido e preparar o terreno para as eleições de 2006.

"Estamos vivendo o pico do aumento dos juros iniciado em setembro do ano passado, e mesmo com taxa de 19,25% ao ano, a força na indústria ainda é grande", diz uma fonte do governo, destacando que os sinais até agora são de que a economia pode crescer acima dos 4% previstos. Isso pressionará ainda mais as contas públicas, já que a necessidade de investimentos para sustentar esse crescimento é enorme e a proximidade do ano eleitoral tende a intensificar os gastos do setor público.

Também o fim do programa do Brasil com o Fundo Monetário Internacional é um ponto de alerta contra o descontrole do gasto público. Não foi por acaso que do presidente Lula ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, passando pelo líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), todos bateram na mesma tecla: o acordo acabou, mas a austeridade nos gastos continua.