Título: Nos canaviais, a volta dos bons tempos
Autor: Chico Siqueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2005, Economia, p. B5

As usinas de açúcar e destilarias de álcool de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná iniciaram esta semana a safra 2005/2006 de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do País, responsável por 85% da produção nacional. As chuvas de março espantaram a estiagem, confirmando as previsões de produção, e os baixos estoques de passagem obrigaram as usinas a antecipar o início do que deve ser a maior e mais espetacular safra da história - não só pelos números de produção, recordes e estabilidade de preços, mas pelo momento vivido pelo setor sucroalcooleiro, o melhor de todos os tempos. Os últimos levantamentos, feitos pela consultoria independente Datagro, apontam que as 320 usinas do País devem processar 410 milhões de toneladas de cana, 6,3% mais que a safra 2004/2005 - que está terminando na região Norte-Nordeste, somando 385,5 milhões de toneladas. A região Centro-Sul deve moer 358 milhões de toneladas - 9,2% mais que as 327,8 milhões de toneladas da safra 2004/2005. A área de plantio no País deve crescer de 5,01 milhões para 5,34 milhões de hectares. Esses números refletem o boom do setor e a confiança dos produtores.

Levantamentos da Procana, Informações e Eventos, de Ribeirão Preto (SP), centro nacional da produção canavieira, indicam que a indústria sucroalcooleira deve investir R$ 12,5 bilhões em cinco anos para a instalação de 39 novas usinas no País, 27 delas no Oeste Paulista. Serão R$ 2,5 bilhões, em média, por ano na ampliação, reforma e construção de usinas e investimentos em infra-estrutura, o que deve criar ao menos 100 mil empregos no campo e na indústria.

As exportações de álcool, que aumentaram três vezes em 2004 e renderam cerca de US$ 500 milhões em divisas, devem se manter em 2,3 bilhões de litros nesta safra. As vendas externas de açúcar devem crescer 5%. A produção de carros bicombustíveis, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), deve atingir 50% da frota dos novos veículos fabricados no Brasil no fim do ano - que deve consumir 500 milhões de litros de álcool em 2006.

Soma-se a isso o alto preço do petróleo, o que amplia a expectativa de que mais países adotem o álcool como combustível alternativo. Com o Japão, o Brasil prevê parceria em financiamentos de US$ 650 milhões, a serem liberados até o fim do ano para o Programa Nacional de Energia Renovável, segundo o presidente da Câmara Setorial do Álcool, Luiz Carlos Corrêa de Carvalho.

INVESTIMENTOS

Os recursos do Japan Bank International Corporation, de US$ 350 milhões, e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de US$ 300 milhões, serão destinados, em parte, para a instalação de novas usinas e destilarias, infra-estrutura logística, expansão das áreas para plantio de cana e estocagem do álcool que deve ser produzido para exportação exclusiva para o Japão.

Outra parte dos recursos vai financiar a fabricação de biodiesel no Nordeste e a emissão de certificados de mecanismo de desenvolvimento limpo. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu usineiros e ministros para 'afinar' o discurso na viagem que ele e comitiva farão ao Japão para tratar desse assunto.

"Desde a criação do Proálcool, na década de 70, o setor não recebia tantos investimentos e vivia tão aquecido. É um momento especial este que vivemos", afirma o usineiro Maurílio Biagi Filho, um dos líderes do setor, presidente da CrystalSev, maior exportadora de álcool do País, e conselheiro da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Única), entidade que representa 120 usinas associadas.

Os investimentos se justificam e a garantia de bons preços é tida como certa por analistas de mercado. "Apesar dos números recordes, esta safra não terá excedente, o que deve fazer dela uma das melhores em rentabilidade", diz o presidente da Datagro, Plínio Nastari. "A forte demanda de álcool nos mercados interno e externo e a redução da produção de açúcar em outros países devem manter os preços num bom patamar de rentabilidade", diz Nastari. A produção nacional desta safra, segundo levantamento da Datagro, deve ser 5,2% maior que a anterior, com 28 milhões de toneladas.

PAÍS É PRIORIDADE

Outra característica desta safra é ser mais alcooleira, podendo atingir, pela primeira vez, cerca de 57% de oferta de álcool, ante 43% de açúcar. Até então, a safra chegava no máximo a 51% para produção de álcool. Isso se deve ao aumento da fabricação de carros bicombustíveis e a opção dos usineiros em atender prioritariamente ao mercado interno.

"Precisamos manter o compromisso assumido com o governo de atender ao mercado interno e manter a confiança na nossa atividade", diz Luiz Guilherme Zancaner, presidente da Usinas e Destilarias do Oeste Paulista (Udop), entidade que agrega 41 indústrias do setor. Esta opção foi reforçada nessa semana, em Araraquara (SP), onde lideranças dos usineiros se comprometeram com Lula a atender ao pedido de priorizar o abastecimento interno.

Segundo Zancaner, o destaque desta safra está na sustentação de preços, o que ocorre devido ao álcool ser hoje uma commodity mais atraente no mercado, com melhores preços em comparações a outras concorrentes. Segundo a Datagro, a produção de álcool deve atingir 16,5 bilhões de litros - 8,5% superior à safra 2003/2004. A região Centro-Sul será responsável pela produção de 15,4 bilhões de litros - foram 13,5 bilhões na safra passada.

"Não há dúvida de que esta safra será histórica", diz Roberto Lopes, da Associação dos Produtores de Açúcar e Álcool de Catanduva, com 11 usinas associadas, cuja produção deve crescer 20% nesta safra, para 30 milhões de toneladas de cana processadas. As usinas afiliadas à Apac anteciparam a safra em 40 dias, iniciando a colheita no fim de março, quando deveriam começar em maio.

O produção maior nas 11 usinas deve exigir que a mão-de-obra no setor passe de 24,7 mil para 27 mil trabalhadores. Já há falta de profissionais qualificados.