Título: Defensoria Pública em São Paulo
Autor: Antonio José Maffezoli Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

São raros os temas que, neste nosso mundo globalizado também nos antagonismos e controvérsias, recebem apoio unânime de instituições, políticos, intelectuais, sociedade, enfim, de todos os organismos e sujeitos sociais envolvidos. A criação de uma Defensoria Pública no Estado de São Paulo é um deles, que passou, agora, até a contar com o apoio manifesto da própria Organização das Nações Unidas (ONU). A necessidade da Defensoria Pública é uma das 22 ações indicadas no relatório especial da ONU, produzido pelo argentino Leandro Despouy e divulgado no dia 30 de março, para aprimorar o Judiciário brasileiro. Despouy fez constar em seu relatório, baseado em visita feita ao Brasil no ano passado, uma recomendação ao governo paulista para que envie à Assembléia Legislativa o projeto de lei de criação da Defensoria Pública. Instituição pública prevista pela Constituição de 1988, a Defensoria Pública objetiva garantir assistência jurídica às pessoas carentes, efetivando o direito de acesso à Justiça e à ampla defesa. Por isso mesmo, ela integra o rol das funções essenciais da Justiça e goza, agora, de plena autonomia administrativa, financeira e orçamentária.

Passados 16 anos da promulgação de nossa atual Carta Magna e 11 da regulamentação legal das Defensorias Públicas, três Estados brasileiros ainda não criaram as suas, entre os quais se inclui - para espanto nacional - o Estado de São Paulo, o mais rico da Federação (os outros dois são Goiás e Santa Catarina). A estrutura de assistência judiciária, voltada para as pessoas carentes, existente em São Paulo foi criada há mais de 50 anos: funciona junto à Procuradoria de Assistência Judiciária, órgão vinculado à Procuradoria-Geral do Estado e, apesar da reconhecida e incontestável qualidade dos serviços que presta (constatada, por exemplo, pelas inúmeras vitórias judiciais conquistadas nos tribunais superiores, em Brasília), tem um modelo desatualizado e esgotado.

Desatualizado porque não atende à exigência constitucional de ser uma instituição autônoma e independente do Poder Executivo, capaz de prestar às pessoas carentes assistência jurídica, e não apenas judiciária. Entenda-se como assistência jurídica não só a representação judicial das pessoas carentes, mas também a educação dos direitos fundamentais e de cidadania, a orientação jurídica preventiva e o atendimento interdisciplinar extrajudicial.

Esgotado porque há muito a Procuradoria de Assistência Judiciária não consegue prestar a assistência demandada pela população carente de nosso Estado, o que obriga o governo a firmar convênios suplementares com diversas entidades (como a OAB), remunerando advogados particulares por ação proposta ou defendida, alternativa que também não respeita o formato constitucional e que, além disso, se tem mostrado extremamente onerosa, posto que cada atendimento por um advogado custa mais que o dobro do realizado por um procurador.

Por tudo isso, há vários anos a sociedade civil paulista vem reivindicando a criação e implantação da Defensoria Pública em São Paulo, o que levou ao surgimento, há três anos, do Movimento pela Defensoria Pública, reunião de nada menos que 434 entidades. Esse movimento elaborou um anteprojeto de lei orgânica e o ofereceu ao governo do Estado como subsídio para um projeto oficial. O reconhecimento da necessidade e da importância social da instituição pelo próprio governador Geraldo Alckmin o levou, já naquela ocasião, a determinar que a Procuradoria-Geral do Estado se encarregasse da elaboração do projeto oficial, finalizado no ano passado e que, na avaliação do Movimento pela Defensoria Pública, permitirá criar a Defensoria Pública mais moderna e avançada do País, embora alguns pontos ainda possam ser melhorados (como o que se refere à participação da sociedade civil na gestão e fiscalização da instituição).

Recentemente, no bojo do pacote antimotim na Febem de São Paulo, o governo anunciou que enviaria o projeto de lei orgânica à Assembléia Legislativa. Após a solenidade de anúncio, perguntado por jornalistas, o governador esclareceu que o envio ocorreria ainda neste mês de abril, o mesmo prazo depois reafirmado pelo secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Alexandre de Moraes, a deputados federais integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Esperamos estar mesmo a poucos dias desse tão esperado momento, pois, após o envio, o projeto certamente ainda será intensamente debatido e aprimorado no Poder Legislativo, o que se espera que ocorra no tempo mais breve possível, dada a tardança já verificada.

É óbvio que uma instituição desse porte não nascerá da noite para o dia. Depois de aprovado e sancionado o projeto, serão ainda necessários alguns anos para a completa estruturação do novo órgão, seja em termos de equipes ou de logística, período em que a população carente continuará a ser assistida por aqueles procuradores do Estado que optarem pela Defensoria Pública (e que, certamente no início, serão poucos em relação à demanda) e pelos advogados conveniados.

Não temos, portanto, nenhum tempo a perder diante de tanto atraso. Estamos diante de um prejuízo imensurável, pois, como frisa Despouy no relatório para a ONU, "numa sociedade com tantas desigualdades, a população pobre não tem informação suficiente sobre como exercer seus direitos através do sistema judicial".