Título: Entre o exílio e o Exército, Karina escolhe o segundo
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2005, Internacional, p. A12

Filha de Lucio Gutiérrez decide ficar no Equador e conta por que, em entrevista ao 'Estado' Um vento frio corta o imenso campo de treinamento da Escola Superior Militar Eloy Alfaro, nas redondezas de Quito. Alinhados geometricamente, os cadetes ensaiam o passo do ganso de 90 graus, um resquício da formação prussiana. Dois oficiais se aproximam do grupo e chamam a cadete Gutiérrez. Empunhando sua baioneta de parada militar, ela vem caminhando entre os dois. Na sala de espera, o coronel Maldonado explica ao repórter: "Tratamos a cadete Gutiérrez como qualquer um. Aqui ela tem os mesmos direitos que os outros." Karina Ximena entra no salão com um sorriso tímido. Com a aprovação do comando da escola, e sob a condição de não fazer comentários políticos, ela concorda em conceder uma entrevista exclusiva ao Estado. Aos 20 anos, Karina teve de tomar uma decisão difícil: acompanhar o pai, a mãe e a irmã de 15 anos no asilo político no Brasil ou seguir sua vida, sozinha, em Quito. Decidiu ficar, encorajada por seus superiores e colegas.

"Vou sentir falta deles todos os dias", diz Karina, filha de coronel e sobrinha-neta de general, que desde pequena sonhava seguir carreira militar. Desde outubro ela mora na mesma Escola Militar onde, em 1977, seu pai, o ex-presidente Lucio Gutiérrez, se graduou subtenente, daqui tendo saído para estudar na Escola de Educação Física do Exército, no Rio, onde foi o primeiro da turma.

Na quarta-feira, com a destituição de seu pai pelo Congresso, depois de perder o apoio do comando das Forças Armadas, Karina obteve licença de seus superiores para ir para a casa de seus tios, junto com a mãe, a médica Ximena, e a irmã, Viviana. Voltou no domingo à Escola, depois de acompanhar o pai, a mãe e a irmã na fuga para a base de Latacunga, onde eles embarcaram no avião da Força Aérea Brasileira. No percurso de 40 minutos de helicóptero, chorava e beijava o pai, que também chorou.

Ao fim da entrevista, ela manda uma mensagem para sua família em Brasília: "Não se preocupem comigo, porque posso cuidar muito bem de mim. Que os três se cuidem entre si, muito. Quem mais necessita agora é meu pai. Então, que estejam com ele." E faz um pedido ao repórter: "Será que você poderia mandar esta gravação para eles?"

Como foi a sua decisão de seguir carreira militar?

Eu sempre quis ser militar. Fiz dois semestres de eletrônica na universidade e me dei conta de que prefiro ser militar. Se gostasse da faculdade, não a teria deixado. Mas isto, não consegui deixar. Gosto de eletrônica, mas gosto mais disto. Depois, quero conciliar as duas coisas.

Você pôde consultar seus pais sobre a decisão de ficar?

Eles me apóiam porque sabem que é o que eu quero. Da mesma maneira como eu o apóio e não poderia ter pedido a meu pai que ficasse aqui. Uma família busca o bem-estar de cada um. Para meu pai, era melhor ir embora. Para minha mãe e minha irmã, era melhor acompanhá-lo. Para mim, era melhor - é melhor - ficar.

Você já falou com eles?

Sim, no domingo, quando eles chegaram lá, pelo telefone.

O que eles disseram?

Que estavam bem, em um apartamento, onde iam ficar por uma semana.

Você acha que terá a oportunidade de ir visitá-los?

Sim. (Volta-se para o oficial que acompanha a entrevista: "Daqui a quanto tempo, meu capitão?" "Quatro meses", responde ele.)

E daí você vai a Brasília?

Sim, estão em Brasília. Nem sabíamos para que cidade eles iam (risos).

Você já esteve no Brasil?

Em 2003, fui com meu pai à posse do presidente do Paraguai (Nicanor Duarte). Fomos a Foz do Iguaçu, ver as cataratas.

O que sabe sobre o Brasil?

É o país que está melhor economicamente na América do Sul. Tem muito boas relações com os países sul-americanos, sobretudo com o Equador. Tem cidades muito grandes, tem carnaval, são católicos, são gente calorosa, por isso receberam meu pai. E acho que o presidente Lula está fazendo um bom trabalho. Porque creio que a pobreza, que é o problema mais grave, tem diminuído bastante.

Seu pai está orgulhoso de você seguir a carreira militar?

Ele está orgulhoso porque sabe como é difícil. É a profissão mais bonita, mas creio que também uma das mais difíceis. Porque eu esperava deixar a minha família em quatro anos. E tive de deixá-la agora. (Os olhos ficam marejados.)

Você já escolheu uma Arma? Bem, ainda não conheço muito. Gosto de comunicações, engenharia, inteligência militar, por causa do que vivi com meu pai.

Ele é da cavalaria.

Sim, mas o pessoal de inteligência do Exército cuida do presidente. E eu convivi com eles.

Como você se sente?

Estou há seis meses na Escola Militar e todos os dias sinto falta da minha família, e sempre vou sentir. Mas daqui lhes dou meu apoio moral, que é o mesmo que necessito deles. Que não se preocupem comigo; posso cuidar muito bem de mim (a voz fica embargada).

Isso é uma mensagem para sua família?

Sim. Que se cuidem entre si, muito. Quem mais necessita agora é meu pai. Então, que estejam com ele. E que tratem de aprender sobre a cultura brasileira, para que, quando eu for, me ensinem.